EDITORIAL

Visão do Correio: Além do ponto de não retorno

A humanidade se encontra, agora, em um momento crucial de sua história e devemos nos preparar para o pior cenário possível: um aumento de até 4 graus na temperatura global até o fim deste século

Foram décadas de avisos, alertas e advertências sobre os perigos da mudança climática. Aparentemente, em vão. Nos últimos dias, o mundo bateu o recorde de maior temperatura média global três vezes. Na segunda-feira, foram registrados 17,01°C, que superaram o recorde anterior de 16,92°C, de agosto de 2016. Na terça-feira, foram 17,18°C, enquanto na quinta-feira, o número bateu 17,23°C, fazendo da semana que passou a mais quente da história do planeta.

O recorde fez o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, afirmar que as mudanças climáticas estão "fora de controle". "Se insistirmos em adiar medidas fundamentais que são necessárias, acredito que estamos caminhando para uma situação catastrófica, como demonstram os últimos recordes de temperatura."

Ao soar o alerta, a ONU cumpre o papel de arauto do apocalipse. Ao que tudo indica, a humanidade finalmente ultrapassou o ponto de não retorno. Ou seja: mesmo que por um milagre, as emissões de gases de efeito estufa fossem totalmente zeradas, os efeitos da mudança climática são irreversíveis.

Mas para piorar, nada indica que a humanidade vá desacelerar. Pelo contrário, os investimentos em combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, seguem em ritmo acelerado, enquanto iniciativas como o carro elétrico estão longe de atingir a popularidade necessária para causar algum impacto no meio ambiente.

A humanidade se encontra, agora, em um momento crucial de sua história e devemos nos preparar para o pior cenário possível: um aumento de até 4 graus na temperatura global até o fim deste século.

As consequências serão devastadoras. Ecossistemas frágeis, como mangues, recifes de corais e os polos serão irreversivelmente danificados, colocando em risco a biodiversidade e a segurança alimentar. Cidades litorâneas vão enfrentar o risco crescente de inundação, ameaçando milhões de pessoas e infraestruturas críticas. A saúde humana será profundamente impactada, com o surgimento de novas doenças, a propagação de vetores de doenças existentes e o aumento da vulnerabilidade de comunidades já marginalizadas.

O tempo para a complacência acabou. Agora é a hora de enfrentar a realidade e se preparar para um futuro climático incerto. Diante dessa perspectiva sombria e com a sensação de impotência que a passagem do ponto de não retorno causa, é preciso tomar algumas ações. O mundo deve intensificar os esforços para mitigar o que ainda é possível das mudanças climáticas, buscando reduzir a emissão de gases e acelerar a transição para fontes de energia renovável, promover a eficiência energética, investir em transporte sustentável e repensar nossa produção e consumo.

No entanto, a humanidade também deve se preparar para o inevitável. A adaptação às mudanças climáticas é essencial para minimizar os danos e proteger os mais vulneráveis, e evitar que, como sempre, os mais pobres paguem a conta. Os governos devem implementar políticas de adaptação robustas, incluindo a construção de infraestruturas resilientes, o estabelecimento de sistemas de alerta precoce para eventos catastróficos como enchentes, temporais, incêndios e ondas de calor, além da adoção de práticas agrícolas adaptativas, que aproveitem melhor o atual campo de lavoura e evitem novos desmatamentos, principalmente na Amazônia. O custo de não agir é alto demais para ser ignorado.

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