O meio ambiente é preservado quando territórios quilombolas estão protegidos. É o que mostram os agricultores quilombolas, guardiãs de sementes, marisqueiras e pescadores, apanhadores de flores, de coco-babaçu, de açaí, de buriti e de tantos outros bens que a natureza oferece. A gestão territorial quilombola é conservacionista por excelência.
Em cada bioma brasileiro, as comunidades quilombolas sabem reconhecer os "remédios do mato", sabem onde buscar e onde cultivar essas plantas. Sabem como preparar um chá, um xarope, um lambedor, um banho de assento. O trabalho da mariscagem é muito importante para o cuidado com a fauna dos mares e dos rios. É um cuidado com as pessoas, com as plantas e os animais, com a terra, com as águas, feito em grande medida pelas mulheres quilombolas.
O Estado brasileiro consolidou o entendimento de que a sobreposição de unidades de conservação ambiental e de territórios quilombolas não representa conflitos, mas convergências. É o conceito de dupla proteção. Esses territórios estão sendo duplamente cuidados: pelas comunidades quilombolas e pelo Estado, que ali criou unidades de conservação.
No Ministério da Igualdade Racial, essa é uma prioridade. Temos uma secretaria dedicada à construção de políticas públicas para as comunidades quilombolas, com uma coordenação de gestão territorial e ambiental de territórios quilombolas. O Programa Aquilomba Brasil, criado pelo Decreto 11.447/2023 e coordenado pelo ministério, está retomando a construção da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, a PGTAQ, junto ao Ministério do Meio Ambiente, à Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq) e a outros ministérios que compõem o Comitê Gestor do Programa. A PGTAQ trata da elaboração participativa e da implementação de planos locais de etnodesenvolvimento, baseados na relação das comunidades com seus territórios, tendo em vista os modos de vida comunitários e o uso sustentável dos bens naturais. Por ela, passam temas relacionados à saúde, educação, cultura, entre outros, todos pensados a partir do território.
Dada a importância do território quilombola, a regularização fundiária é compreendida como uma das etapas mais importantes no processo de gestão territorial e ambiental. O Ministério da Igualdade Racial está trabalhando estrategicamente junto ao Incra na construção de uma agenda nacional de titulação, com a perspectiva de promoção do etnodesenvolvimento em territórios quilombolas titulados, sem prejuízo dos territórios não titulados.
Todos os dias sentimos os efeitos das mudanças climáticas. Em alguns lugares, já não chove tanto ou na época que costumava chover. Em outros, as águas chegam avassaladoras e inundam territórios. Esse quadro tende a se agravar e está levando a um colapso socioambiental com consequências devastadoras para as populações mais vulneráveis nos territórios e também nas cidades.
A Conaq, o Processo de Comunidades Negras da Colômbia, o Observatório dos Territórios Étnicos e Camponeses da Universidad Javeriana e a Organização Rigths Resources realizaram um estudo sobre biodiversidade em territórios afrodescendentes em 16 países latino-americanos. O estudo identificou 205 milhões de hectares com presença territorial de povos afrodescendentes nos 16 países, os quais possuem majoritariamente coberturas naturais — 77% dos territórios — e fazem parte de áreas consideradas hotspots de biodiversidade.
Ou seja, não apenas no Brasil, mas, em toda a América Latina, os territórios afrorrurais são fundamentais para a conservação da biodiversidade e para a gestão da crise socioambiental gerada pelas mudanças climáticas. Fomentar a gestão territorial quilombola é garantir saúde e sustentabilidade para o planeta. Essa é uma política pública para a posteridade, um compromisso do Ministério da Igualdade Racial, que precisa ser também um pacto de toda a sociedade.
RONALDO SANTOS, secretário Nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiro e Ciganos
PAULA BALDUINO DE MELO, diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos