LGBTQIA+

Artigo: A sutileza que se perdeu

Chefes de Estado, líderes religiosos e personalidades da mídia disparam despautérios e impropérios, sem pudor, abusando da autoridade e da influência que exercem para que fakes news e injúrias repulsivas sejam destiladas e despertem em seus seguidores atos macabros

O mundo anda apressado, objetivo e rude demais. Na virada do milênio, a tecnologia invadiu nossas vidas, sem bater, metendo o pé na porta com vontade, dispensando um pedido de licença, entrando com uma urgência ríspida de quem sugere promover um salvamento de emergência. Não nos dedicamos mais ao prazer de acompanhar uma novela do começo ao fim, degustando cada capítulo como se convivêssemos diariamente com aqueles personagens. Estamos na era das manchetes rápidas e das zapeadas superficiais nos diversos títulos disponíveis nas plataformas on-line. Hoje, tudo é feito de forma rasa. Nós nos perdemos das sutilezas.

A arte de ser sutil está na habilidade de fazer algo discreto, leve, difícil de ser percebido ao primeiro olhar, mas que representa um refinamento que aprofunda o todo. Está no gesto singelo de se cumprimentar alguém com um "bom dia", perguntar "como vai?", solicitar algo com um "por favor", agradecer com um "muito obrigado" e até utilizar um ponto ao final de uma frase. A sutileza é o sentimento que não precisa ser explícito, algo que no storytelling se caracteriza como acionar um gatilho mental — sabe aquelas mensagens subliminares que ativam um mecanismo no cérebro para que sintamos algum desejo? O oposto do que vemos, hoje, nas líquidas redes sociais: Compre isto! Faça assim! Curta, comente e compartilhe! Me segue que eu te sigo!

Por outro lado, a sutileza também se perdeu para o mal. Nesses tempos bizarros, o preconceito, a intolerância e o ódio não se disfarçam mais com suavidades. O discurso, agora, é direto, reto, curto, grosso. Chefes de Estado, líderes religiosos e personalidades da mídia disparam despautérios e impropérios, sem pudor, abusando da autoridade e da influência que exercem para que fakes news e injúrias repulsivas sejam destiladas e despertem em seus seguidores atos macabros, dos quais eles, os provocadores, se eximem quando são executados.

Tal qual fez, nesta semana, o tal pastor que insinuou, de forma nada tênue, que "Deus mataria os homossexuais se pudesse, mas delegou isso aos seus fiéis". Não se prima mais pela sutileza nem para cometer crimes! Por sorte, a Justiça também não é nada sutil. Ainda que a rotulem como cega, ela é implacável.

 


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