A sucessão das acirradas audiências em torno da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) do município de São Paulo chamou a atenção dos brasileiros de outros estados que acompanham o noticiário nacional. A maioria das audiências havia sido travada em um clima de bipolarização, sempre deixando transparecer os nervos à flor da pele. O clima pesado não chegou a transbordar para manifestações de rua. Esteve circunscrito a auditórios.
Entre os vários pontos que incendiaram o ambiente de iradas discórdias, de um lado situaram-se os que queriam, por exemplo, manter preservadas mais ortodoxamente as linhas gerais do atual e realmente excepcional PDE, que passou a vigorar em 2014, na gestão do então prefeito Fernando Haddad. No lado oposto, estiveram os que, por exemplo, propunham prédios ainda mais altos, com a respectiva ampliação do número de vagas de automóveis em cada um dos novos edifícios.
O que se passou — entre as quatro paredes da Câmara Municipal e nas incontáveis audiências promovidas pelos movimentos sociais da maior cidade do Brasil — já se constituiu um benfazejo acontecimento, sem precedente no país. O desfecho dos embates acabou sendo altamente positivo.
Enfim, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou, em votação definitiva, em 26 de junho, a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo. O texto ainda passará pela sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB). O vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto de revisão, conduziu com muito bom senso o seu trabalho, que culminou nesse pacífico e conciliado desfecho. E há uma valiosíssima leitura que se pode extrair de todos os já mencionados embates travados na Paulicéia. É a seguinte: São Paulo sinalizou ao Brasil inteiro a importância que se deve dar aos planos diretores.
Os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes são legalmente obrigados a traçar um plano diretor estratégico, sob pena de improbidade administrativa. A exigência de ter o plano recai sobre 31,6% dos municípios brasileiros, que somam 84% da população nacional. Mesmo assim, o urbanismo continua sendo um tema negligenciado nos 5.570 municípios destes trópicos. Um dos motivos que podem explicar o desinteresse popular (e, consequentemente, político) pelos planos diretores é a extrema complexidade dos respectivos textos.
E aí, novamente, com o diagnóstico de agora, São Paulo presta mais um valioso serviço ao Brasil. Com a simplificação da linguagem, tornando-a mais acessível à maioria da população, os planos diretores passarão a ser reconhecidos como de altíssima relevância para os milhões de brasileiros que vivem em municípios onde eles são obrigatórios. Quem publicamente diagnosticou a inaceitável complexidade nos textos dos planos diretores foi, em audiência pública na Câmara Municipal, a professora do Insper Bianca Tavolari.
Ela afirmou que até mesmo seus alunos de mestrado encontram severas dificuldades em decifrar o que está escrito nos planos diretores, aridamente repletos "de siglas e nomes de instrumentos". A lógica e as regras dos planos diretores têm de ser tão claras quanto as do futebol, que são temas até mesmo nas mesas dos botecos, bares e restaurantes. O Plano Diretor refere-se às nossas ruas, aos nossos bairros, à nossa cidade. Daí por que o arquiteto Nabil Bonduki já ter dito (isso há quase uma década) que, tradicionalmente, o poder público não dá importância à questão urbana. Com raríssimas exceções, continua assim.
O prefeito da cidade com mais de 20 mil habitantes pode até perder o mandato se não fizer o plano diretor. Mas, mesmo se fizer, não tem nenhuma obrigação legal de cumpri-lo. Por isso, o arquiteto Washington Fajardo, ex-secretário municipal de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, defende o ponto de vista de que deveria haver uma Lei de Responsabilidade Urbana, semelhante à Lei de Responsabilidade Fiscal. Deveria mesmo.
Paulo Solmucci, Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)