Somos o ápice da evolução das espécies, segundo Darwin, do ponto de vista biológico, e protagonistas da "hominização", o que nos coloca em face de Deus do ponto de vista cristão, numa verdadeira epopeia.
A epopeia acima referida, é toda baseada no espírito e na tradição religiosa e se em verdade formos surpreender o homem em si mesmo, há vê-lo anatomicamente como uma estrutura animal, semelhante ao dos mamíferos, superiores e não como semelhante a Deus, puro Espírito. Refiro-me aos cinco sentidos que possuímos e aos órgãos internos comuns aos mamíferos superiores. Dois instintos básicos como neles estão em nós. O instinto de sobrevivência e o da perpetuação da espécie (conjunção sexual).
Deus está noutra dimensão e não há como vê-lo. Homo necessitudinis é o que somos, um "ser de necessidades" irredutíveis. Precisamos imediatamente de comer, obtendo da natureza nosso sustento, e de procriar, o que só é possível pelo estabelecimento de uma ordem social, evoluída da turba grupal para os regimes de matrimônio conhecidos pela antropologia, casamento por grupos, depois por clãs e finalmente poligamia à patre (referida ao pai) e a monogamia.
Apenas há dois mil anos, com o cristianismo, oriundo em parte do judaísmo, e depois com o islamismo (658 d.C), os regimes de casamento se estabilizaram no mundo inteiro incluindo na Ásia amarela (a China, tempos atrás, praticou a poligamia). Sob o cristianismo e islamismo há lugar, mas não a obrigação, da poligamia humanizada pelo predica de Maomé. O mundo cristão e o laico (Rússia e China como expoentes) praticam a monogamia, a tese do casal heterossexual como base da sociedade. Para uma visão histórica profunda e sagaz recomendamos a leitura de dois notáveis livros: O fenômeno humano, do Padre Teillard Chardin, e A origem do Estado, da família e da propriedade, de Fredéric Engels. Ambas estão traduzidas para o português.
Do conjunto dessas obras, intuímos que o homem como homo necessitudinis um ser de necessidades (sobreviver se alimentando e procriar para perpetuar a espécie humana) encontra na natureza a satisfação de suas necessidades agindo sobre ela, a princípio colhendo frutas, caçando e pescando e depois estabelecendo campos de cultivo, se apossando de trechos de terras, tornando-se gregário, fixado a um lugar, deixando de lado a vida nômade. Pouco depois surgem as primeiras cidades e Estados nacionais.
O pastoreio de animais a princípio ovelhas e cabras e tempos depois do gado vacum antecede o surgimento dos campos agricultáveis. A agricultura permitiu a humanidade no Oriente Médio, leste da Europa e na Ásia o surgimento de vilas e cidades e com isso o avultamento da política e do desenvolvimento do Estado e das leis.
Ao voltarmos ao passado na China e na Índia, diria por minha conta que o homem, ápice da evolução, surgiu na Ásia e não na África. Eles são muitos e, portanto, os mais antigos. Existem, entre as escolas de antropologia da América e da Europa, diferenças notáveis com aquelôutras da China e da Índia. O eurocentrismo nos domina. Contudo é indubitável a polêmica entre os unicentristas cristãos, embalados pela Torá judaica (Velho Testamento) com o mito de Adão e Eva, e os antropólogos laicos e os orientais que são multicentristas.
Para estes, a hominização ou o estágio em que homem tomou ciência e principalmente consciência de si e do mundo (cosmovisão) ocorreu em vários lugares e não temos como saber quando, e como isso aconteceu pelos vestígios achados na península ibérica, França sul da atual Rússia, Oriente dito médio ou melhor oriente próximo, Turquia, China e Índia, sem falar na Tasmânia.
O passado distante é um túnel esfumaçado. Para muito os vestígios do homo sapiens alcançam seiscentos mil anos, desde a barbárie até as primeiras civilizações. Destaca-se que as civilizações e nações organizadas somente surgiram há cerca de 18 mil anos na China e na Suméria, que inventaram a linguagem escrita, seguindo-se o Egito, tempos depois, com os hieróglifos.
Somos herdeiros de uma longa luta pela sobrevivência e pela conquista da terra-mãe, tão admiradas pelos incas no altiplano andino, quanto pelos chineses, daí o culto aos antepassados, que prepararam o nosso caminho, com sangue e determinação, numa luta constante contra as agruras da natureza hostil.
A adoração aos deuses para acalmá-los e proteger as gentes foi uma prática universal. No Egito antigo, a barca de Isis cruzava os céus todas as noites levando as almas dos mortos para o céu. Na Judéia cujo encontro com Deus era depois do apocalipse surge o Cristo que morre na cruz e ressuscita prometendo aos que tenham fé a ressurreição. É de se perguntar é a fé que salva? E os que não têm fé e vivem em continentes distantes da fé cristã? Morrem como todos os mamíferos superiores? Para sempre? O sono eterno sem pesadelos descarta o além incerto entre paraíso e inferno! (uma ideia jurídica de recompensa e castigo).
Sacha Calmon, Advogado