Nenhuma outra camada da população é mais vulnerável do que a de crianças e adolescentes. Não à toa, a Constituição determina, no artigo 227, que os direitos deles devem ser assegurados com "absoluta prioridade". O Estado, no entanto, é o principal violador das prerrogativas de meninos e meninas.
Por sua fragilidade, crianças e adolescentes dependem da família, da sociedade e do Estado para, entre outras necessidades, protegê-los. Parece óbvio — e é —, mas o poder público ignora esse fato, passa por cima da ordem expressa da Carta Magna e negligencia seu dever de garantir o "direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" — como ressalta o artigo 227.
Em maior ou menor grau, todos esses direitos são desrespeitados. Vou me ater, porém, à violência sexual, que faz vítimas diariamente. O Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na semana passada, mostrou que, em 2022, o Brasil registrou o maior número de estupros da história. Foram 74.930, uma elevação de 8,2% em relação a 2021. E as principais vítimas continuam sendo meninos e meninas: mais de 61% — 10,4% foram bebês e crianças de até 4 anos; 17,7% tinham entre 5 e 9 anos e 33,2% entre 10 e 13 anos.
O levantamento também destaca que a casa das crianças segue como o principal local dos ataques: 68,3% dos casos. E 86,1% dos agressores são conhecidos da vítima; 64,4%, da própria família. O anuário afirma que "esses são fatores que tornam o enfrentamento a esse tipo de violência sexual extremamente desafiador". "Esse contexto faz com que seja muito difícil para as vítimas reconhecerem as violências que sofrem e, quando o fazem, terem muita dificuldade em denunciar ou buscar ajuda", diz o estudo. E menciona outro ponto extremamente relevante: "Como agravante, o sistema de Justiça e de proteção social também tem enorme dificuldade em lidar com esses casos, de modo que é comum que, após a denúncia, a criança volte ao convívio com o agressor, que raramente é punido".
Estudos e levantamentos reiteradamente enfatizam o suplício a que são submetidos crianças e adolescentes neste país. Os dados atualizados estão aí — e, aterradores que são, nem refletem plenamente a realidade, já que há subnotificação. Mas, entra governo, sai governo, e não há políticas públicas efetivas para combater a barbárie. A complexidade do problema não pode servir de desculpa para a inércia criminosa. Enquanto a negligência impera, meninos e meninos seguem em profundo sofrimento.
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