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Artigo: Viver com dor não é normal

Acesso limitado a diagnóstico e tratamento adequados no Brasil intensifica ainda mais o problema

Homem cobrindo a face com as mãos. Foto: Gerd Altmann/Pixabay. -  (crédito: Gerd Altmann/Pixabay )
Homem cobrindo a face com as mãos. Foto: Gerd Altmann/Pixabay. - (crédito: Gerd Altmann/Pixabay )
DURVAL CAMPOS KRAYCHET
postado em 27/07/2023 06:00

Ninguém deve se conformar em viver com dor. A dor é um sinal de alerta do corpo de que algo está errado, a chamada dor aguda. É um sintoma que precisa de cuidados imediatos a fim de evitar consequências desagradáveis, como a cronificação. A dor crônica é, então, aquela que se prolonga por mais de três meses, e pode ser considerada uma doença em si. No Brasil, cerca de 37% da população sofre com dor crônica. Apesar de ser um problema tão comum e tão próximo das nossas realidades, nosso país, contudo, ainda carece de muitas melhorias no acesso a diagnóstico e tratamento adequado para a dor, tanto enquanto sintoma, quanto como doença.

O primeiro desafio para lidar com essa questão está na formação dos profissionais de saúde. No Brasil, a grande maioria dos centros de ensino, públicos ou privados, não incentivam o estudo da dor. Poucas são as escolas que oferecem uma disciplina focada no tema. Em algumas, são aulas optativas, e outras nem sequer contemplam carga horária sobre o assunto. Temos, assim, a primeira falha: a escassez de programas educativos na formação do profissional que atenderá o paciente no futuro.

A falta de conhecimento suficiente sobre dor pode levar a uma abordagem incorreta do sintoma, prolongando ainda mais o sofrimento do paciente. Desse modo, uma pessoa pode demorar em média 8 anos indo de um médico a outro até chegar ao consultório de um especialista em dor e, com isso, as consequências físicas, emocionais, sociais e financeiras decorrentes da doença, vinculadas à incapacidade funcional, podem ser agravadas. Uma formação adequada do profissional da saúde encurta a jornada do paciente, abreviando seu sofrimento.

Outro entrave é que há falta de unidades de dor disponíveis para toda população. Centros de tratamento de dor estão concentrados, em sua maioria, em grandes cidades ou no setor privado, e, por isso, não conseguem suprir a demanda dos pacientes. A maioria dos centros de referência para população carente está vinculado às universidades públicas federais ou estaduais, mas ainda são limitados. No nosso Sistema Único de Saúde (SUS), são poucos os serviços oferecidos especificamente com foco na dor e, nos poucos existentes, os pacientes enfrentam serviços superlotados e filas de espera de anos, além de não receberem o tratamento multidisciplinar ideal, uma vez que o SUS não consegue dispor de profissionais e recursos suficientes para suprir essa necessidade. Para podermos oferecer um serviço de saúde bem estruturado, são urgentes políticas públicas e a sensibilização de nossos governos e dirigentes, bem como o incentivo à educação médica e à pesquisa e extensão em torno do tema da dor.

Para conseguirmos mudar esse cenário, precisamos de articulação do governo em todas as áreas, pois uma melhoria leva à outra: aprimorando a formação dos profissionais de saúde e incentivando mais oportunidades de pesquisa, a conscientização do médico e do próprio paciente sobre a dor aumenta, e a exigência de mais serviços de dor e políticas públicas também. Porém, para que essa sensibilização de fato ocorra, é necessária a mobilização das instituições envolvidas com a dor, como as sociedades médicas e até mesmo empresas privadas.

Iniciativas que tenham como foco a formação do profissional da saúde, de modo a oferecer conhecimento sobre a correta avaliação, diagnóstico e possibilidades terapêuticas modernas para a dor, são essenciais. Um exemplo foi o Summit Latino-Americano de Dor da Grünenthal Brasil, que reuniu centenas de médicos de 10 países para discutirem a dor crônica, suas realidades e a necessidade de abordá-la de forma multidisciplinar, em prol da qualidade de vida do paciente. Precisamos de mais iniciativas assim na indústria e no Estado, porque a educação transforma. Precisamos falar mais sobre dor e saber que não é normal viver sofrendo. Espero que, um dia, o normal seja o acesso facilitado do paciente com dor a um serviço de saúde que supra suas necessidades.

 DURVAL CAMPOS KRAYCHET,  coordenador do Ambulatório de Dor e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), co-editor do Brazilian Journal of Anesthesiology

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