Não é segredo que todas as principais cidades do país sofrem com áreas degradadas que abrigam dependentes químicos viciados em crack e em situação de rua: nos arredores da Central do Brasil e na Zona Portuária, no Rio de Janeiro; no entorno da rodoviária e do Setor Comercial Sul, em Brasília; debaixo dos viadutos do Complexo da Lagoinha, em Belo Horizonte, entre outros. Mas é em São Paulo que está a maior delas, a chamada Cracolândia. A situação, há décadas, desafia o poder público, que tenta ações de todos os tipos, ainda sem uma resolução satisfatória. Nos últimos anos, enquanto estavam à frente da prefeitura, tanto o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto o ex-governador João Doria saíram-se mal ao tentar encarar o problema, cada um ao seu modo, mas ambos sem sucesso.
Por isso, o resto do país tem acompanhado com interesse e apreensão os recentes movimentos do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre a Cracolândia paulista. Na última semana, ele desistiu de tentar, de novo, remover à força o fluxo — como é chamada a aglomeração de usuários de crack — do Bairro Campos Elísios para o Bairro Bom Retiro, ambos na Região Central de São Paulo. No início do mês, uma tentativa de alterar o ponto de concentração acabou por espalhar os usuários pelas ruas dos dois bairros, sem, claro, resolver o problema.
Na última sexta-feira, Tarcísio voltou ao tema, quando afirmou que não descarta apelar para a internação compulsória dos viciados em crack como forma de resolver o problema quando outras possibilidades estiverem esgotadas. Na sequência, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), concordou com o colega de que a opção de um tratamento à força para os dependentes químicos deveria estar em andamento.
Maior cidade do Hemisfério Sul, São Paulo funciona — para o bem e para o mal — como uma espécie de farol para o resto do Brasil, principalmente no quesito de medidas públicas. Afinal, com 11,4 milhões de pessoas, a capital paulista tem problemas em escalas consideravelmente maiores do que as outras cidades do país. Por isso, quando surge ali alguma solução para alguma questão urbana, é questão de tempo até que as outras cidades se inspirem, copiem e adaptem para suas realidades o que foi criado por lá. O problema é quando a medida agrava ainda mais a questão, como vem sendo o caso.
O deslocamento forçado dos usuários foi tentado, e acabou gerando diversas minicracolândias pelos bairros da Região Central de São Paulo, espalhando insegurança e preocupação para moradores. Já a internação involuntária é um método controverso e ineficaz. Um estudo publicado em 2022 no Brazilian Journal of Psychiatry apontou que, entre 2003 e 2019, as internações feitas sem o consentimento do paciente aumentaram 340% na capital paulista — e, obviamente, não resolveram a situação.
Um problema complexo como as cracolândias que se espalham pelo país exige — parece óbvio — uma solução complexa e multidisciplinar. São necessários esforços coordenados, diálogo constante com especialistas, envolvimento da sociedade civil e, acima de tudo, abordagens humanitárias e respeitosas aos direitos dos indivíduos afetados. Não entram nessa lista ações como arrastar uma multidão de dependentes por quarteirões a fio, ou trancafiá-los em instituições contra a vontade deles. Por enquanto, o exemplo paulista está longe de servir para o resto do país.
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