O Parque Ecológico das Garças é um parque público de Brasília à beira do lago Paranoá. Fica na região administrativa do Lago Norte, na ponta da península de mesmo nome. É uma posição paisagística excepcionalmente privilegiada, com vista para o Eixo Monumental através da lâmina d´água que banha o lado sudoeste da península, e ocupa uma área pouco menor à de duas superquadras brasilienses.
Embora esteja na ponta de uma península de cerca de 9km de comprimento, de uso predominantemente residencial das classes altas, o parque atrai pessoas de outros bairros da capital e de outros estratos sociais. No entanto, seu potencial ainda é pouco explorado. Hoje, o parque tem um conjunto de aparelhos para musculação, um serviço de sanitários e um campo de futebol gramado. O resto da área é ocupado por uma ciclovia pavimentada, trilhas de terra, arvoredos, e alguns pequenos e precários trechos de orla à guisa de praia, que as pessoas adentram para banhar-se no lago, balneável neste trecho.
Portanto, é deficiente em termos de equipamentos que possam servir a um público maior e mais variado. Contudo, medidas em discussão no âmbito do governo local para melhor explorar seu potencial causam preocupação. Por um lado, propõe-se dois grandes lotes para atividades de comércio e serviços, e, estranhamente, um pequeno lote para uma igreja, todos de posse da Terracap. Por outro, há o resultado do concurso realizado em 2018: o Masterplan para a orla do Paranoá. Neste, são previstos cinco grandes lotes contíguos para comércio e serviços e um "pavilhão" para bares e restaurantes, além de uma quadra poliesportiva, uma de tênis, um campo de futebol, e um playground.
Hoje, a maioria das pessoas no parque senta ou deita na grama, fazendo piqueniques, em grupos de conversas, lendo, namorando, contemplando a paisagem. Mas o fazem de forma precária, sem o suporte de churrasqueiras, mesas, bancos, banheiros, pias para lavar utensílios. O segundo maior contingente é de gente pedalando bicicletas, caminhando ou correndo nas pistas disponíveis, alguns encenando um alto poder aquisitivo em "magrelas" sofisticadas, capacetes, relógios, vestimentas, tênis. E em menor quantidade há os que se banham no lago — um gosto mais popular — em versão reduzida da praia na cabeceira da ponte JK, que pulula de gente aos domingos e feriados. Melhores condições houvessem próximas à orla — abrigos para troca de roupa, chuveiros, sanitários — mais banhistas atraídos.
As propostas na mesa não atentam para demandas mais populares, pelo contrário. Os grandes lotes para comércio e serviços, visando à população de mais recursos, localizam-se próximos à lâmina d'água, e será um passo até que a praia, precária que seja hoje, se transforme num cais, como no Pontão do Lago Sul, eliminando o popular banho. Não há previsão para áreas de piqueniques, em bosques generosamente sombreados, com churrasqueiras, mesas e bancos, tampouco para quiosques que sirvam comidinhas de baixo custo. E se os houver, eles serão relegados a áreas menos nobres, sem acesso ao lago, até mesmo sem as vistas mais privilegiadas dele. Faltam equipamentos para esportes coletivos — quadras de areia para futebol ou vôlei — mais apreciados pela classe trabalhadora que os esportes ou atividades recreativas individuais — ciclismo, corrida, ginástica, ioga, meditação — mais elitizados.
Uma cidade mais inclusiva não segrega as pessoas, ao contrário de Brasília, com seus bairros só para ricos ou só para pobres. O mesmo com os parques. Se não atentarmos para gostos e hábitos populares, para as demandas que estes fazem à arquitetura dos parques, o que teremos, também no belo Parque das Garças, é a repetição perversa da segregação.
*FREDERICO HOLANDA - Professor titular aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), professor emérito da mesma universidade e pesquisador sênior do CNPq
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