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insegurança alimentar

Artigo: Mapa da Fome, sair para não mais voltar

Tem sido frequente a tentativa de responsabilizar exclusivamente a pandemia da covid-9 pelas piores mazelas que o país passou nos últimos anos. Em relação à fome, os próprios dados oficiais mostram que essa avaliação não passa de uma meia verdade

PRI-2307-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2307-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
Francisco Menezes
postado em 23/07/2023 06:00

A manutenção do Brasil no Mapa da Fome, recém-divulgada em relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) é lamentável, porém nada surpreendente. Medindo o desempenho a partir de um conjunto de indicadores no período de 2020 a 2022, a FAO identifica os países que neste período apresentaram percentuais elevados de suas populações vivendo diferentes níveis de insegurança alimentar. No que agora foi publicado, o Brasil apresentou um índice de 9,9% de sua população com insegurança alimentar grave. Foram 21,1 milhões de pessoas vivendo neste estado de privação, muito acima dos 4 milhões do período de 2014-2016.

A situação também piorou no mundo, totalizando 2,4 bilhões em insegurança alimentar moderada ou grave. Isso ocorre por diferentes fatores, entre eles por conflitos internos ou guerras entre países, por catástrofes climáticas, como agora ocorre em Madagascar, ou por razões político-econômicas. Este último fator explica o que ocorreu no Brasil e que ficou à vista de todos, seja em filas de pessoas disputando ossos ou na aridez de terras que não mais produzem devido ao abandono que pequenos agricultores foram deixados pelo Estado brasileiro.

Tem sido frequente a tentativa de responsabilizar exclusivamente a pandemia da covid-9 pelas piores mazelas que o país passou nos últimos anos. Em relação à fome, os próprios dados oficiais mostram que essa avaliação não passa de uma meia verdade. Já em 2018, um suplemento sobre insegurança alimentar divulgado pelo IBGE trouxe os resultados de pesquisa nacional realizada junto com a POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) demonstrando que se encerrara o período virtuoso que o Brasil vivera e que permitiu, em 2014, que a FAO o considerasse fora do Mapa da Fome. Depois, em 2020, pesquisa realizada pela Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), utilizando-se da metodologia adotada pelo IBGE, mostrou a piora da insegurança alimentar grave e, em novo inquérito em 2022, apontou crescimento ainda maior, totalizando 33 milhões de pessoas nessa condição.

Mas, de fato, o que ocorreu? De forma resumida pode-se afirmar que, em termos de políticas públicas, praticou-se o inverso do que fora feito até o país sair do Mapa da Fome. Cresceu o desemprego e caiu a renda real dos trabalhadores com célere empobrecimento da população, jogando na miséria parte dela. E praticou-se verdadeiro desmanche do sistema de proteção social que vinha sendo construído. Bem como foram esvaziados exitosos programas de segurança alimentar. Com isso, comprometeu-se a capacidade de acesso a alimentos na quantidade e qualidade adequadas para um número cada vez maior de pessoas. Tudo patrocinado e celebrado pelo ex-presidente, que em seu primeiro dia de governo extinguiu o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e, ainda em junho de 2019, afirmou não existir fome no país. Era a sinalização do que estava por vir.

Presentemente, o atual governo já tomou medidas que certamente terão positiva repercussão no combate à fome. De um lado, a volta do Bolsa Família, com seus antigos méritos de chegar à população mais pobre e com a inovação do adicional de renda transferida para famílias com crianças, adolescentes e mulheres grávidas. De outro, a providencial correção no valor do repasse da alimentação escolar para estados e municípios. E, ainda, a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, entre outros.

Para não mais nos vermos neste vergonhoso Mapa da Fome é preciso que governos e demais instituições do legislativo e judiciário e, também, os diversos setores da sociedade firmem um acordo sobre a meta de um Brasil sem fome, como prioridade. Que a alimentação, como rege a Constituição, seja tratada como direito. E que, ao lado das medidas emergenciais que já vêm sendo tomadas, dê-se início às inadiáveis transformações estruturais, garantindo alimentação suficiente e saudável como um direito de todos, com especial atenção na situação de insegurança alimentar grave que atinge sobretudo mulheres negras, como mostram as pesquisas já citadas. Agora, é preciso sair de novo do Mapa da Fome, só que para não mais voltar.

*FRANCISCO MENEZES, assessor de Políticas de ActionAid, presidiu o Consea entre 2004 e 2007

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