Era mais um jogo do milionário futebol Espanhol em que Real Madrid e Valencia se confrontavam. O futebol e a bola foram pouco vistos, já o preconceito e o ódio ecoaram na sombra do brasileiro Vinícius Junior, atacante do Real e da Seleção Brasileira. Mais uma vez, o gol, expressão máxima dos gramados, saiu ofuscado e esquecido em contraponto aos mais mesquinhos dos sentimentos humanos, o preconceito racial. Antes do início do jogo, a torcida do Valencia já bradava ao brasileiro chamando-o de macaco e, durante a partida, as agressões se multiplicaram. As manifestações das torcidas espanholas demonstram um retrato não só daquele nicho de torcedores, mas de parcela significativa do povo catalão. Todo esse trágico, reiterado e previsível cenário tem conivência e leniência da Liga Espanhola e da Federação Internacional de Futebol.
O Ministério Público espanhol jontabiliza 11 ocorrências em que Vini Junior consta como sujeito passivo pelo crime de racismo. Na partida do dia 18/2, o brasileiro foi ofendido até mesmo no minuto de silêncio ditado pelas vítimas do terremoto da Turquia e na Síria. No dia 26/03, um boneco enforcado com a camisa do jogador foi pendurado em uma ponte em Madri. Vários outros jogadores também já foram vítimas de preconceito no futebol espanhol: Ronaldo Fenômeno, Daniel Alves e o camaronês Samuel Eto´o. Vini carrega a ginga do Brasil nas chuteiras, brinca com a bola, baila com o corpo, além de chutar como poucos. O que lhe diferencia dos demais é que o atacante se posiciona de forma singular, pois sabe do seu potencial dentro e extracampo, além de ter a ideia e dimensão de sua representatividade como um afrodescendente em ascensão.
Dinheiro, fama e notoriedade, nada disso subtraiu os notáveis jogadores do jugo discriminatório. Eles integraram ou fazem parte do “galáctico” time do Real, detentor dos títulos mais cobiçados do mercado da bola. Mas há um ponto em comum entre todos, a marca indelével da cor da pele. Assim se evidencia o preconceito, o qual se permeia, infiltra, se estabelece e contamina todas as classes sociais, principalmente quando há ascensão social de uma pessoa negra. Seja no Brasil ou no exterior, quanto mais se escala, mais se incomoda. A permissão para o negro ocupar espaços sociais “embranquecidos” torna-se precária e diminuta diante de uma elite que insiste em ocupar o topo da pirâmide social.
Um estádio e sua torcida representam a face e o espírito de seu país. Ali estavam retratados os mais diversos segmentos sociais de uma Espanha que se diz de primeiro mundo e detém altos índices de desenvolvimento humano. Então, poderíamos falar que foi um fato isolado? Não, a torcida esbravejou em conjunto antes e durante o jogo. Mono, mono! Havia um designio claro de ferir a alma do principal jogador adversário, não pelos seus dribles, mas pela sua origem.
Não só o futebol, mas a sociedade espanhola chafurdou e carece de punição exemplar. Pode-se citar; identificação e punição de todos os envolvidos nos eventos; os times envolvidos deverão ficar fora das competições nacionais por tempo indeterminado acarretando a dissolução das suas torcidas organizadas; proibição de contratação de jogadores estrangeiros pelos times suspeitos e reparação financeira a ser destinada a educação e acolhimento da população afrodescendente e aos imigrantes no país. A Fifa tem poderes para compelir o Estado Espanhol a assumir suas obrigações de combater o racismo dentro e fora dos estádios, sob pena de banimento do cenário internacional.
O esporte mundial já mostrou o seu poder de mobilização em conjunto com o movimento Black Lives Matter, quando da morte de George Floyd em 2020. Agora, a vítima é um jogador, negro, que representa uma minoria que há séculos clama por dignidade. É hora de jogadores, patrocinadores e demais segmentos sociais e esportivos se manifestarem de forma contundente contra o racismo na Espanha e no mundo.
O fato ganhou suas reais proporções, graças ao grito de Vini Junior que exigiu posicionamento da Liga Espanhola que por sinal, mais uma vez, pormenorizou os acontecimentos. Parei, ou melhor, temos que parar para falar de mim, de nós, do Vini e dos nossos antepassados. Cada um em seu quadrante do campo, mas com os mesmos propósitos. Estamos prontos a falar, gritar e exigir respeito, até porque se sofremos com os insultos, há alguém dos nossos que chorou, sangrou e morreu pela ira e interesse dos que até hoje nos afugenta.
Ricardo Nogueira Viana e Otávio Santana do Rêgo Barros - delegado chefe da 6ª DP e professor de educação física
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