No Brasil, há recorrência na criação de direitos sem direito, por força de medida normativa aparentemente legal, sob o impulso do legislativismo inconstitucional. Manipula-se a natureza jurídica do ato normativo do decreto para gerar privilégios, mordomias e vantagens, sem previsão da lei.
Finge-se desconhecer o princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, de competência do Poder Legislativo, com legitimidade para introduzir novos comandos na ordem jurídica. Destroça-se, ainda, o princípio constitucional da reserva legal, por força do qual se determina a autoridade ou a competência do órgão estatal que tem legitimidade para editar a norma.
O legislativismo, modalidade de abuso legiferante, que dissente da autoridade constitucional, se transformou numa ilegítima modalidade de conduta normativa, ao constituir e declarar direitos, imprevistos pelo órgão do Estado ao qual cabe o poder de legislar, protagonista do devido processo legislativo.
A tutela a direitos indevidos prolifera na vida nacional e se entranha, visceralmente, na Administração Pública, pelo artifício de consolidar a fruição de benefícios e direitos, sem previsão legal, com atrito ao princípio da legalidade e ao princípio da reserva legal.
O legislativismo em causa própria, com ruptura ao princípio da moralidade, legitimidade e impessoalidade, persiste, mesmo depois da Constituição de 1988, em cujos princípios e preceitos repousa a garantia jurídica que impõe a observância à limitação do poder de legislar, notadamente em matéria em que ocorre a construção de benesses.
Toda lei, na acepção formal ou material, editada ou promulgada para criar direito ou privilegiar interesse de seu criador ou autor, certamente se revela rejeitada pela Constituição da República. A lei nasce sob a égide da impessoalidade, como núcleo gerador de sua legalidade. Mesmo com as balizas constitucionais, a avidez em construir privilégios faz com que seletos grupos se locupletem com vantagens imprevistas pela lei, lei como expressão da vontade geral, fruto do concurso dos representantes dos eleitores.
Certamente os eleitores não concordam com as chamadas mordomias, criadas por lei no sentido formal — norma geral votada e aprovada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo — ou lei na acepção material — norma editada pelo Poder Executivo, no limitado poder de regulamenter —, em benefício de agentes públicos. O mais grave, contudo, consiste na criação de direitos subjetivos, por lei material, à revelia do Legislativo, sem o consentimento, sem a vontade do cidadão expressada pelo Parlamento, em manifesta inconstitucionalidade. Há hierarquia das fontes normativas, a qual envolve o grau de força uma norma.
O poder regulamentar consiste num atributo do Poder Executivo, sempre limitado aos comandos da lei formal, concebida nas entranhas do Poder Legislativo, razão por que carece de autorização constitucional para inovar a ordem jurídica, gerar direitos e impor obrigações, tanto mais que o nosso sistema jurídico desaprova o regulamento autônomo.
Decreto algum tem legitimidade, pois, para introduzir cenários normativos rebeldes ou imprevistos pela lei, a cujo comando deve obediência irrestrita, sob pena de ser alcançado e esvaziado por força do abuso de poder. O cidadão contribuinte já não suporta arcar com vantagens, benefícios e penduricalhos concedidos à burocracia estatal, em decorrência dos quais se consolidam privilégios aos cargos públicoS, sem respaldo da lei: lei soberana e impessoal.
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