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Artigo: Regressividade tributária e desigualdade de gênero

Isso porque os impostos sobre consumo, por serem considerados regressivos, influenciam de forma negativa as questões relacionadas à desigualdade de gênero, exatamente porque oneram principalmente a camada mais pobre da sociedade, mais propensa a despender as rendas com consumo

Desigualdade de gênero -  (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
Desigualdade de gênero - (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press)
ONÍZIA DE MIRANDA AGUIAR PIGNATARO
postado em 14/07/2023 06:00

A regressividade decorre da desigualdade quando uma mulher de baixa renda adquire produtos necessários para sua subsistência e higiene pessoal. Isso porque os impostos sobre consumo, por serem considerados regressivos, influenciam de forma negativa as questões relacionadas à desigualdade de gênero, exatamente porque oneram principalmente a camada mais pobre da sociedade, mais propensa a despender as rendas com consumo.

Como é sabido, são as mulheres que, majoritariamente, vão ao supermercado e gastam o salário, que em geral é menor do que o dos homens, adquirindo bens de consumo imediato para toda a família. São elas as cuidadoras das casas. Então essa tributação maior pode reverberar negativamente inclusive no que se refere ao acúmulo de renda.

Diante disso, essa incidência tributária sobre o consumo é considerada regressiva ou ruim. Isso porque, ao tributar um pacote de macarrão, por exemplo, o milionário e o mendigo, que comprarem aquele macarrão, vão pagar o mesmo tributo embutido no preço, independentemente da imensa disparidade da capacidade econômica de cada um.

Uma solução seria criar isenções ou alíquotas diferenciadas para produtos da cesta básica, bem como produtos de higiene pessoal (absorvente, sabonete, creme dental, escova de dente), medicamentos, energia elétrica e serviços de comunicação. Iniciativas voltadas à implementação de benefícios fiscais acerca dos itens supracitados funcionariam como instrumentos do sistema tributário para a correção das distorções socioeconômicas, entre elas a desigualdade de gênero.

Portanto, pensar na tributação também é pensar nas mulheres, já que é sobre elas que recai a função de cuidado. Ou seja, é essencial pensar em um modelo tributário em que não haja o risco de maior carga sobre itens necessários, o que poderia levar a um aumento do preço e, consequentemente, a uma regressividade tributária, isso porque atingiria de forma severa as mulheres que ganham menos.

Considerando que a renda das pessoas mais pobres é totalmente voltada para o consumo de bens de subsistência e de higiene pessoal, a concentração da tributação sobre o consumo torna o modelo tributário injusto, fazendo com que os mais pobres paguem proporcionalmente mais tributos do que os mais ricos. Outra hipótese seria a devolução do imposto pago por famílias de baixa renda. O mecanismo tem sido apelidado de cashback pelos envolvidos na reforma tributária. Apesar de ser importante pensar em como o mecanismo funcionará, a iniciativa é relevante se pensarmos em uma devolução do imposto pago para as mulheres vulneráveis economicamente. Outra questão importante seria a concessão de benefícios fiscais a empresas que contratarem mais mulheres, que as colocarem em cargos de gestão ou que empregarem vítimas de violência doméstica.

No entanto, verifica-se que não é tarefa fácil. Isso porque incentivos fiscais, como isenções ou redução de alíquota, implicam renúncia de receita, o que pode gerar desequilíbrio nas contas públicas. Será uma tarefa para o Poder Legislativo, bem como o Executivo com a participação de toda a sociedade em prol de uma carga tributária mais justa.

Além disso, é preciso levar em conta que, para compensar a possível perda de receita pública decorrente dos incentivos fiscais supracitados, outras medidas também poderiam ser tomadas, como uma análise das despesas públicas, inclusive com a redução de gastos desnecessários, e, em último caso, a criação de um imposto residual pela União (por meio de lei complementar) para tributação das embarcações e aeronaves com isenção daquelas que prestam serviços de transportes de passageiros para não onerar o preço da passagem do consumidor.

Quem sabe, assim, teremos mais igualdade e consequentemente mais mulheres na política brasileira. Apesar de a população feminina ser maioria no país, na política ainda tem uma baixa representação. Quem sabe, assim, teremos mais igualdade no mercado de trabalho. Apesar de o índice de escolaridade da população feminina ser mais alta, as mulheres enfrentam um cenário desfavorável na busca por um emprego e na atribuição de seus salários.

Por fim, quem sabe, assim, teremos mais igualdade e menos assédio e violência contra as mulheres. Isso porque tanto o assédio quanto a violência, infelizmente, ainda fazem parte da realidade da maioria das mulheres brasileiras.

Onízia de Miranda Aguiar Pignataro - Advogada, professora, escritora e pesquisadora

 


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