Em 6 de junho de 2003, a Universidade de Brasília marcou a história da inclusão educacional brasileira ao aprovar seu Plano de Metas para a Integração Social, Étnica e Racial, resultado do trabalho incansável de muitos membros da nossa comunidade, tendo a proposta final sido apresentada ao Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) pelos professores Rita Laura Segato e José Jorge de Carvalho. São 20 anos de implementação das cotas raciais em nossa instituição, em vigor desde o primeiro vestibular de 2004. Temos muito a comemorar.
Ao longo das duas últimas décadas, as cotas raciais se consolidaram como política afirmativa essencial para promover a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior. Mais de 23.310 estudantes já ingressaram na UnB por meio das cotas raciais. Com orgulho dessa aposta pioneira, vimos 6.874 estudantes se formarem em cursos de graduação, enquanto outros 13.354 estão matriculados nos quatro câmpus da universidade.
No entanto, o caminho não foi isento de desafios. Em 2009, o Democratas (DEM) questionou a política de cotas raciais da UnB no Supremo Tribunal Federal (STF). Felizmente, após brilhante defesa da UnB, liderada pelo então reitor José Geraldo de Sousa Júnior, em abril de 2012 o tribunal decidiu por unanimidade que a iniciativa da UnB era constitucional. Essa decisão histórica não apenas validou nossa política, mas também abriu precedente para a adoção de cotas em outras universidades brasileiras.
Em agosto de 2012, o governo federal sancionou a Lei nº 12.711, conhecida como Lei de Cotas para o Ensino Superior. Foram estabelecidos critérios claros para a reserva de vagas em instituições federais de ensino, visando garantir a inclusão de estudantes vindos de escolas públicas e autodeclarados negros, pardos e indígenas. Mesmo com a legislação em vigor, a UnB decidiu manter 5% de suas vagas destinadas exclusivamente às cotas raciais, como compromisso contínuo com a promoção da equidade em nosso ambiente acadêmico, o que continua até hoje.
Além das cotas raciais, a UnB tem atuado em diversas frentes para promover a igualdade, a democracia e a inclusão. Tendo por objetivo fomentar uma cultura de respeito e valorização da diversidade, criamos a Câmara de Direitos Humanos e a Secretaria de Direitos Humanos, bem como uma Política de Direitos Humanos. Também estabelecemos os prêmios Anísio Teixeira e Mireya Suárez, em reconhecimento ao trabalho de docentes, estudantes e técnicos que promovem os direitos humanos em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.
A fim de dar total transparência nos processos seletivos, restabelecemos comissões de heteroidentificação para o ingresso de cotistas raciais nos cursos de graduação — e também de pós-graduação, cujo sistema de cotas foi aprovado em 2020 na UnB. Essas comissões têm desempenhado papel crucial na garantia de que as vagas reservadas são ocupadas por estudantes que atendem aos critérios estabelecidos nos editais, evitando fraudes e garantindo a lisura do processo seletivo.
Criamos, ainda, o Comitê Permanente de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa. A Universidade busca promover um diálogo constante com a comunidade acadêmica, ouvindo suas demandas e aprimorando continuamente as políticas de inclusão. Nesse sentido, encaminhamos para discussão este ano proposta que pretende ampliar o percentual de docentes negros e PCDs na UnB. Esperamos aprová-la em breve.
Outro aspecto fundamental para a promoção da equidade na UnB é a ampliação dos programas de assistência estudantil e dos auxílios e bolsas acadêmicas. Reconhecemos que o acesso à educação superior não deve ser limitado apenas à aprovação. Devem ser dadas condições adequadas para a permanência e o sucesso escolar dos estudantes de baixa renda.
A UnB reafirma o compromisso em contribuir para uma sociedade mais justa, reconhecendo a importância das cotas raciais como instrumento para a superação das desigualdades históricas. Nossos esforços e conquistas ao longo destes 20 anos nos dão experiência e nos enchem de esperança para continuar a trilhar caminho rumo a uma universidade cada vez mais inclusiva, diversa e comprometida com a promoção de oportunidades para todos.
Na esteira da comemoração dos 20 anos das cotas raciais na UnB, temos consciência de que ainda há muito trabalho a ser feito. Precisamos continuar aprimorando nossas políticas de inclusão e aprofundando o debate sobre a diversidade e a igualdade em nossa comunidade. Estamos atuando junto à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e ao Congresso Nacional para que a revisão da Lei de Cotas se dê em parâmetros que contribuam para a ampliação do ingresso e do sucesso acadêmico dos estudantes cotistas.
Que o marco de 20 anos seja apenas o começo de um futuro promissor, no qual a educação seja realmente acessível, independentemente da origem social ou da cor da pele. A UnB seguirá firme em sua missão de transformação social e acadêmica, impulsionada pela certeza de que a diversidade humana é um de nossos maiores patrimônios.
Márcia Abrahão - Reitora da Universidade de Brasília (UnB)
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