Qual a principal lição da aprovação da reforma tributária, a mais importante mudança constitucional, desde a promulgação da Carta de 1988? A de que é possível construir um novo consenso nacional, em torno de um programa básico, a partir da relação entre o Executivo e o Congresso, tendo como eixos o Estado democrático de direito, o ambiente econômico favorável e a melhoria gradual das condições de vida da população, principalmente das camadas que estão abaixo da linha de pobreza, cerca de 13,7 milhões de brasileiros.
A chave é a retomada do crescimento econômico, que gera renda e trabalho, o que atenua o conflito distributivo de uma sociedade que é muito desigual. Medidas adotadas pelo novo governo, seja no âmbito das políticas universalistas de saúde e educação, seja no combate à miséria propriamente dita, como o Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo, apontam nessa direção. Entretanto, a polarização e a desconfiança política existente na sociedade ainda são um desafio a ser superado.
Na ordem democrática, a construção de um consenso nacional também significa respeitar o direito ao dissenso das minorias e o compromisso com a alternância de poder. São premissas que precisam ser respeitadas por qualquer governo e que estiveram ameaçadas no 8 de janeiro. Felizmente, as instituições republicanas demonstraram força suficiente para conter a escalada golpista e firmeza diante dos arroubos autoritários.
A aprovação das principais medidas econômicas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela Câmara, entre as quais o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, resultou de uma ampla negociação entre o presidente Lula e o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa e líder do chamado Centrão. Nada impede que esse processo se repita em outras pautas capazes de obter amplo apoio da sociedade.
Lula está para a política como aquele jogador de futebol que sai driblando os adversários dentro da grande área, até chegar ao gol. O presidente da República improvisa e faz acordos políticos sem um programa claro para pactuar com o Congresso. O Executivo tem muito poder, mas não pode tudo. Precisa negociar com o Congresso. Salvo engano, com a aprovação da reforma tributária, a tendência do governo é se retrair na agenda legislativa. Será um erro, é preciso aproveitar o ambiente de diálogo e dar sequência à construção de um novo consenso nacional.
Três agendas são relevantes nesse aspecto. A primeira é a da sustentabilidade, ou seja, a busca pelo equilíbrio entre a disponibilidade dos recursos naturais e a exploração deles por parte da sociedade. Esse conceito não pode contrapor o agronegócio à preservação das florestas. O desafio é equilibrar a preservação do meio ambiente e o que ele pode oferecer em consonância com a qualidade de vida da população. Nossa agricultura é moderna e sustentável, não deve ser confundida com setores ruralistas atrasados.
Outra agenda é a da educação de qualidade, sem a qual não seremos capazes de acompanhar a revolução digital em curso. O nó górdio a ser desatado é a reforma do ensino médio, que precisa ser tratada sem contrapor o ensino público ao ensino privado. Dar mais flexibilidade à grade curricular e promover o ensino interdisciplinar são indispensáveis. Mas não se pode olvidar a infraestrutura de nossas escolas e da remuneração dos professores, são premissas da elevação da qualidade do nosso ensino.
Por último, o tema da violência, que marca a nossa história. A defesa dos direitos humanos e a promoção da segurança pública não podem ser ações antagônicas, ainda mais diante de uma realidade na qual o Estado perdeu o monopólio do uso da força, com comunidades inteiras dominadas pelo tráfico de drogas e/ou as milícias. Essa questão está na origem do ambiente de radicalização política que o país tenta superar, é crucial para a construção de um novo ambiente de diálogo e paz.
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