Depois das descobertas realizadas por portugueses e espanhóis no final do século 15 e início do 16, o mundo começou a se integrar. Ocorreu uma globalização antes do tempo. Europeus atravessaram o Atlântico e descobriram enormes possibilidades comerciais nas Américas. Depois na Índia, na costa leste da África e até no Japão. Conheceram os ricos reinados dos muçulmanos e a origem das especiarias que encantavam as principais capitais do velho Continente.
Mas havia o problema comum a todos: falta de mão de obra. A história do mundo é feita, em boa parte, pela mão de obra dos escravos. É a regra geral desde a Antiguidade. Os perdedores são escravizados. A prática foi utilizada em larga escala nos povos originários da Europa e da Ásia. A primeira tentativa dos europeus no Novo Mundo foi escravizar os índios. Não deu certo. Na América do Norte jogaram até a cavalaria contra eles, que foram exterminados, mas levaram junto o general Custer, abatido na batalha de Little Bighorn. Os europeus que precisavam conquistar aqueles novos territórios procuraram os africanos. E compraram escravos à vontade. O comércio de escravos foi realizado por quase todas as nações marítimas da Europa, inclusive Suécia e Rússia. Estima-se que foram transportados 12,5 milhões de africanos por meio do Atlântico. Em 1833 havia 46 mil britânicos donos de escravos. Os ancestrais de George Orwell, de Graham Greene, entre outros, fizeram fortunas. Quando esse comércio foi abolido, os proprietários receberam ressarcimento. Os negros não viram a cor do dinheiro.
A riqueza dos ingleses criou bancos, financiou a era do vapor, dos canais, das ferrovias e a revolução industrial. Esse dinheiro fez do Reino Unido a maior nação do mundo. E teve um efeito secundário. Grandes contingentes populacionais se deslocaram para as Américas. Em 1764, Adam Smith escreveu sua obra prima A riqueza das nações na
Escócia resultado da atenta observação da extraordinária prosperidade de Glasgow, consequência do comércio de tabaco originário da Virgínia, nos Estados Unidos.
A riqueza dos países europeus e dos Estados Unidos resultam da pilhagem de recursos naturais e da forte presença da mão de obra escrava. Dezenas de milhares de toneladas de ouro foram levados do Brasil para Portugal. A montanha de prata em Potosí, Bolívia, foi desmanchada e fez a riqueza dos espanhóis. Os Estados Unidos, no começo do século 19, eram um país constituído apenas pelas 13 colônias. Povoado por europeus, avançou até o Pacífico, depois de comprar a Louisiana francesa, a Flórida dos espanhóis, o Alaska dos russos e invadir a Califórnia e áreas vizinhas, que pertenciam ao México.
Em resumo, a fortuna dos europeus e dos Estados Unidos resulta da exploração da mão de obra dos africanos escravizados e das riquezas minerais das Américas. O Canadá, colonizado por franceses e ingleses, entra nessa lista. Vale a pena lembrar essa história quando o presidente Lula vocifera contra as imposições dos negociadores europeus para fechar o acordo comercial com o Mercosul. Já houve um acordo em junho de 2019, 20 anos após os chefes de Estado e de Governo do Mercosul e da União Europeia iniciarem as negociações.
Esse longo processo quase chegou ao final. Mas os europeus, depois da conclusão do acordo, enviaram ao Mercosul uma side letter com novas exigências: querem ter maior participação nas compras de governo e pretendem impor penas aos países da região que não respeitarem as regras de preservação do meio ambiente. É isso que Lula chama de inegociável. Os europeus têm um problema na agricultura deles que é largamente subsidiada. Eles receiam perder participação no mercado interno. Isso pode liberar populações do campo para correr em direção ao emprego urbano. E assim surgirem favelas em cidades como Paris.
As compras governamentais são um capítulo à parte. O Brasil não pode colocar em posição de igualdade estrangeiros com melhor tecnologia que os nacionais. O governo dos Estados Unidos só permite empresas estrangeiras nas compras de governo se houver ganho tecnológico. Talvez critério semelhante possa ser um ponto de convergência entre as demandas contraditórias. Vale o esforço para obter o acordo com a União Europeia.
Ele cria um mercado de 750 milhões de habitantes, cerca de 25% do produto interno bruto da economia mundial. Mas os europeus sempre enxergaram os povos do sul com desprezo e olhos de predador. O acordo, se houver, será uma novidade nas relações entre o mundo desenvolvido e o emergente.
*ANDRÉ GUSTAVO STUMPF -Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
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