A consciência coletiva sobre a importância de preservação da flora e da fauna ainda é tênue no país, sobretudo em relação ao cerrado, reconhecido como "berço das águas" ou "caixa d'água do Brasil". No primeiro semestre, o desmatamento cresceu 21% no bioma. Em contrapartida, caiu 41% na Amazônia, onde o poder público interveio de forma rigorosa para conter a derrubada da floresta, por meio da fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
O desmatamento no cerrado ocorre em propriedades privadas, que têm registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que dificulta uma intervenção do governo para contê-lo. Porém, a atividade tem forte impacto no equilíbrio ambiental. A derrubada da vegetação não ocorre somente por máquinas. Em junho, foram 4.472 focos de incêndio, o maior número de queimadas desde 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). A perda da cobertura vegetal está concentrada em 26 municípios, com 50% dos alertas.
As intervenções humanas no cerrado podem comprometer seriamente a oferta de água. O bioma abriga oito das 12 regiões hidrográficas do país. Abastece seis das oito grandes bacias: Amazônica, Araguaia/Tocantins, Atlântico Norte/Nordeste, São Francisco, Atlântico Leste e Paraná/Paraguai. Segundo especialistas, sem flora não há água, e sem água não há flora. Isso significa que ações predatórias na cobertura vegetal podem afetar a oferta de água, pondo em risco a produção agropecuária, principalmente no Centro-Oeste, que se destaca no agronegócio brasileiro.
Em 2017, a professora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante, atual presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), advertiu para a necessidade "urgente" de conter o desmatamento no cerrado, "antes que a água acabe". A queda na oferta de água não foi uma percepção só da professora, mas também dos agricultores. Recentemente, Bustamante alertou ainda para o aumento da temperatura no bioma, decorrente das mudanças climáticas. Pouco ou quase nada foi feito para conter a expansão da derrubada de matas no cerrado. A cada dia a situação se agrava, sem que haja ações para evitar o caos.
Mas a legislação permite que os proprietários de imóveis rurais no cerrado desmatem até 80%, e 20% sejam reserva. Como detentor da maior biodiversidade de flora e fauna, o desmatamento aleatório causa danos às espécies do bioma. Na Amazônia, a legislação impõe uma regra inversa: 80% da área de floresta na propriedade têm de ser preservados, restando 20% para exploração.
A escalada de desmatamento e de queimadas no país indica falta de responsabilidade de uma parcela de brasileiros com o meio ambiente. Para muitos, as mudanças climáticas não existem e, se ocorrem, é algo da natureza, sobre a qual o homem não tem domínio. Enquanto isso, os fenômenos extremos têm ocorrido com maior frequência no país, provocando danos imensuráveis ao país e com a perda de muitas vidas.
O sistema de vigilância aplicado na Amazônia deveria se estender ao cerrado e aos demais biomas brasileiros. Não se trata de coibir as atividades agropecuárias, que têm relevante importância nas contas públicas. O foco seria reeducar a população para que haja uma relação amistosa com o patrimônio natural, levando em consideração a responsabilidade coletiva imposta pelas mudanças climáticas. Os cidadãos, espécie racional do planeta, não têm o direito de agir com irracionalidade e colaborar para a extinção dos humanos, por meio de atividades e ações que elevem a temperatura da Terra.
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