Palavras não são só palavras, ainda mais quando ditas por indivíduos que, pela posição hierárquica que ocupam dentro de uma sociedade civilizada, vêm cobertas de sentidos vários. É preciso, portanto, ir além do entendimento do que esses líderes dizem, analisando palavra por palavra, observando que outros sentidos podem estar ocultos atrás de cada uma delas. Esse é um dos métodos recomendados para os precavidos e para todos aqueles que se cuidam a fim de não cair em armadilhas. Os incautos andam como cegos. Os que cultivam o bom senso preferem as trilhas clareadas pela luz.
É seguindo essas recomendações que devemos analisar com cuidado a associação de palavras com conceitos firmados, de modo a entender o significado real da expressão e, quiçá, ligá-lo corretamente à pessoa que o proferiu. Assim, temos a expressão, dita pelo atual mandatário em entrevista, que "o conceito de democracia é relativo". Obviamente, cada indivíduo tem, de acordo com sua experiência, um conceito próprio de democracia. Até aí tudo bem. O problema é quando o conceito de democracia passa a adquirir uma elasticidade e um misto de relativismo e personalização tal que acaba por destruir ou inverter o sentido real de democracia, erigindo, em seu lugar, qualquer outro fantasma, que, seguramente, não será a democracia, "comme il faut", e que prevalece hoje em boa parte do Ocidente desenvolvido.
Para muitos não se deve gastar tempo e tintas analisando garatujas mentais.Mas em se tratando de quem disse o que disse e quais possíveis desejos camuflados por trás desse entendimento e suas consequências para o futuro da nação, é preciso esmiuçar essa fala, ligando-a diretamente a quem a proferiu. Vai que nos vazios entre uma letra e outra, várias legiões de demônios estão amoitados à espera da hora derradeira.
A democracia, como a entendemos na modernidade, é apoiada por alguns pilares fundamentais e até absolutos, como é o caso de eleições periódicas livres, justas e amplamente auditáveis em caso de controvérsias. Também se apoia no respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Outro pilar é representado pelo Estado de direito e de governança democrática, em que reina o império e o governo da lei. Outro apoio é o do pluralismo político e da responsabilidade direta de todos por suas ações. Há ainda o pilar da participação dos cidadãos no processo político, dentro dos princípios do igualitarismo, civilidade e de liberdade, ensejando o direito a todos, por meio de negociações políticas constantes, sempre com base na imutabilidade de uma Constituição soberana e acordada por todos.
Poderíamos estender outros pilares, nos quais a democracia se firma, como é o caso de aceitar a candidatura de quaisquer brasileiros que atendam às exigências previstas e apresentem uma ficha pretérita limpa e sem máculas, mas isso seria enfadonho demais e até redundante. A questão aqui é demonstrar que esses e outros pilares são absolutos, ou seja, devem ser mantidos, com firmeza, onde estão, cimentados pelo o que reza a Constituição, descartando portanto, quaisquer outros relativismos não previstos.
Partindo de uma comparação entre dois ou mais elementos, para melhor analisá-los sob diferentes perspectivas, a relativização se opõe ao que é absoluto. Com isso, fazendo-se uma comparação, ao acaso, entre Brasil e um outro país, como a Venezuela, é possível chegar a conclusão de que aquele país não segue os ditames democráticos, sendo, portanto, uma ditadura em todos os seus sentidos.
A continuar ainda um exercício de relativização, ligando quem disse à razão e como disse, o que disse, e ainda por cima agregou à afirmação de que a Venezuela é mais democrática do que o Brasil, podemos inferir que a democracia é mesmo um conceito relativo. Relativo e passível de ser transformado e igualado naquilo que se transformou hoje o país de Nicolás Maduro.
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