O Correio Braziliense publicou o artigo Brasília: a ser definida (13/4/23), do renomado geógrafo e professor Aldo Paviani. Não está claro o que é Brasília em termos de ocupação espacial. É um fato. Não obstante, afirmar que tudo é Brasília e as cidades-satélites são bairros não esclarece. Trata-se de definição genérica e global que desconsidera localidade, peculiaridade e formação histórica das cidades do Distrito Federal. Não se trata de separar as cidades do DF, a rigor elas já nasceram separadas, segregadas socioespacialmente. Esse é o nosso DNA, várias cidades às vezes coladas dentro do quadradinho retangular.
Além disso, as cidades-satélites são cada vez menos satélites e muito menos núcleos urbanos. São cidades com história, cultura e características socioeconômicas próprias. Definir as cidades do DF como uma só é ideológico, isto é, está fora da realidade. Esse discurso, supostamente de integração, não tem o poder de inclusão e passa por cima da ideia local de pertencimento e multiculturalismo que tem caracterizado cada vez mais os moradores de cada localidade-cidade do DF. Só o trabalho bem remunerado, aliado a um sistema de transporte integrador, que faça diferença na mobilidade no DF, pode atenuar a forte segregação socioespacial, marca da grande Brasília e de sua área metropolitana.
A arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, gosta de falar na Grande Brasília. É grande pelas características épicas de sua história e pelo consagrado projeto urbanístico-arquitetônico com imensos gramados e vias monumentais. O arquiteto e pioneiro Gladson da Rocha, nos anos 1970, já escrevia sobre a necessária descentralização, sobretudo de serviços públicos, para diminuir a pressão e atenuar o movimento pendular do transporte público.
Pelo equilíbrio ainda existente entre as áreas livres, as unidades de conservação e os centros urbanos, com cidades de média e baixa densidades, conectados por gigantescas vias-estradas, pode-se, como hipótese, definir a Grande Brasília como uma submetrópole de raiz rodoviária-tentacular. O próprio Lucio Costa no texto "Brasília Revisitada" dizia: a Brasília não interessa ser grande metrópole.
É Clarice Lispector quem escreveu "Nunca vi algo similar no mundo" e "Brasília é onde o espaço mais se parece com o tempo". A referência não era Taguatinga ou Sobradinho, mas Brasília. Por seu lado, Francisco Medeiros da Silva, morador de Taguatinga, acredita que sua cidade é a melhor do DF, com cultura muito expressiva. A poeta Maria Lúcia Verdi revela "Gosto muito de viver em Brasília. Preciso de ar, de céu, de jardins, espaços abertos e silêncio. Não conheço outra capital assim". As cidades do DF como Samambaia, Gama, Ceilândia ou mesmo Sol Nascente não são Patrimônio Cultural da Humanidade.
Brasília é, desde 1987, sobretudo patrimônio de brasileiros, brasilienses, brasilianos e candangos. Seu espectro cultural envolve Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Joaquim Cardozo, Athos Bulcão, Burle Marx, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, entre outros. Nenhuma outra cidade no mundo tem procedência de time tão fantástico. É difícil encontrar um projeto urbanístico como o projeto do Plano Piloto de Brasília, no qual a harmonia está na ordem cristalina que impera sobre todas as partes do conjunto. O enfoque que interessa é o cultural.
Claro está que Brasília não é mais apenas o Plano Piloto. Há muito, Cruzeiro, Sudoeste, Lagos Norte e Sul, Noroeste, Vila Planalto e Vila Telebrasília, além do próprio Plano Piloto (Asas Norte e Sul e Eixo Monumental), fazem parte de Brasília, são bairros de Brasília. Mas considerar as cidades satélites como Brasília não contribui para definir a cidade. Lembro ainda, nesse contexto de ensaios de confronto global, que Brasília foi definida também como Capital da Esperança por André Malraux, escritor e ministro da Cultura da França, no governo Charles de Gaulle. O Brasil, com a construção da sua nova capital, mostrava otimismo invejável diante de um mundo desacreditado e traumatizado pela barbárie da Segunda Guerra Mundial.
Marcelo Motiel da Rocha - Arquiteto
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