As minisséries sobre rotina de profissionais da saúde e hospitais nos prendem à tela de nossas televisões e nos transportam para os desafios diários desses ambientes de trabalho. Doutor Shaun Murphy, com suas características peculiares, um médico autista, personagem principal em The good doctor, revela os dois lados de angústias e desafios no relacionamento entre o paciente, o médico e o sistema de saúde.
Na série, o encanto dos grandes hospitais americanos com equipamentos sofisticados, equipes qualificadas e técnicas as mais modernas cede lugar ao enredo do humano e emocional. A vida nesses locais da ficção espelha uma realidade pouco conhecida da população em geral. A maca já quase ultrapassava a porta vai e vem do centro cirúrgico. O enfermeiro responsável pelo transporte informa: — A partir daqui não é permitido mais acompanhar o paciente.
Deitado na maca, ele busca com o olhar um pedido de socorro. Percebe-se em seu semblante uma angústia por cima da máscara N95. De medo mesmo. A boca seca do familiar mal consegue sussurrar: — Tá tudo bem, não se preocupe. Daqui a pouco nos falamos.
O maqueiro acrescenta que é melhor esperar no centro de atendimento aos familiares que fica no quinto andar. É mais confortável. Lá existe um monitor atualizando a situação da cirurgia de todos os pacientes. De fato, ali as coisas funcionam. Assim que entram na sala, uma atendente muito gentil oferece apoio e explica o multicolorido painel. A enorme tela, de altíssima resolução, já traz informações. O paciente se encontra em preparaçãopara a sedação.
Os minutos correm. Completa-se a primeira hora. Imaginam, falta pouco agora. Todavia, o monitor não ameniza a angústia e teima em permanecer congelado sem atualizar dados. Completa-se a segunda hora. O médico informara, como previsão, duas horas de procedimento. Fantasiam, será que aconteceu algum problema? O quinto café já esfriou. A sala, antes enorme, ficou pequena para as passadas inseguras. As mensagens na tela do celular perguntando "tudo bem?" só os afligem ainda mais. O jornal folheado de trás para frente é bengala em gesto repetitivo.
Uma família ao lado respira aliviada. Abrem um largo sorriso. Luz azul. Cirurgia terminada. Paciente em recuperação. Logo estará no quarto. Terceira hora já se faz longa. Uma mocinha entra na sala e pergunta: — Familiares do paciente, alguém presente? O coração dos dois quase para. Levantam a mão.
— Estamos aqui.
— O médico gostaria de falar com vocês.
Pronto! Por que o deixamos se submeter ao procedimento? Mesmo doente, ele estava vivo. Agora... O médico caminha ao encontro deles e sorri. Ainda com a bata cirúrgica e máscara arriada no pescoço, atualiza a situação.
— Houve uma intercorrência que nos deu um pouco de trabalho. Tivemos que recolocar o eletrodo mais próximo do septo. Pensavam: e daí? Septo? Eletrodo?
— Está tudo bem agora, mas ele vai ser monitorado na unidade coronariana. Assim que a anestesista o liberar, vocês conseguirão vê-lo na porta de entrada da unidade de terapia intensiva. Não poderão ficar. Ao menos esta noite.
Minutos depois, deitado na maca e ainda sonolento, o paciente os reconhece e brinca: — Tô vivo. Não foi desta vez. Cinco dias se passaram entre UTI, quarto e alta. O cerrado e responsável acompanhamento multidisciplinar o fez voltar rápido para casa. Um pouco mais magro, se recusou a comer a boia do hospital. Um pouco mais débil, a musculatura atrofiou. Um pouco mais humilde, percebeu que nem sempre estaria no controle da situação. Um pouco mais esperançoso, aquele obstáculo foi ultrapassado.
Caro leitor, histórias ficcionais se tornam realidade e, como essa, se passam, neste momento, em algum hospital deste país. Moderno ou simples. Público ou privado. Seus personagens, médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, bioquímicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, auxiliares administrativos, faxineiros, seguranças etc.
Seus nomes, os Rubens, Marcelas, Mozarts, Iaras, Robertos, Vivianes, Jaquelines, Marias, Fernandos, os com nome e os sem nome. Aqui fora, não os percebemos na rotina de nosso dia a dia. Mas, quando precisamos, eles estão por lá. Não apenas por se renderem ao juramento de Hipócrates, mas por se curvarem à servidão de proteger todos os integrantes da tribo humana. Por dever de justiça, eles merecem nosso respeito, gratidão e atenção.
Otávio Santana do Rego Barros - General de Divisão da Reserva, foi chefe Centro de Comunicação do Exército
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