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Democracia

Artigo: Democracia relativa

"O presidente Lula ainda não percebeu que os tempos mudaram, nem que ele vive no século 21, em que o comunismo só remanesceu na China capitalista"

pri-0307-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
pri-0307-opiniao Opinião - (crédito: Caio Gomez)
André Gustavo Stumpf*
postado em 03/07/2023 03:55

Nos anos 1970, século passado, os porta-vozes dos sucessivos governos militares no Brasil justificavam a supressão dos direitos individuais e a censura à imprensa com uma afirmação simples e objetiva: a democracia é relativa. Esse conceito justificava o governo fechado, distante do público, com Congresso manietado pelas sucessivas cassações de mandatos dos parlamentares. Mas ocorreram eleições, diretas ou indiretas, ao longo de todo o período. Esse era o índice de relatividade democrática do Brasil da época.

O presidente Lula ainda não percebeu que os tempos mudaram, nem que ele vive no século 21, em que o comunismo só remanesceu na China capitalista. Pior: que os governos de esquerda na América Latina se transformaram em ditaduras puras e simples, sem qualquer relação com os ideais socialistas. Em nome de um marxismo fora de época, os líderes da esquerda latino-americana vivem no passado. E se transformaram em autocratas.

Mas é doloroso ouvir Lula dizer que a democracia é relativa para defender o regime de Maduro na Venezuela. É a mesma frase e o mesmo argumento defendido por pessoas do quilate de Armando Falcão, ministro da Justiça do governo Geisel. O governo do sucessor de Chávez, que prende e silencia opositores, censura a imprensa, cerceia o parlamento, é desastroso para o país com a maior reserva de petróleo do mundo, superior à da Arábia Saudita. No entanto, vive em profunda crise econômica.

Equívoco político pesado do presidente brasileiro. Ele estigmatizou o recente encontro de presidentes realizado em Brasília por ter mencionado que as críticas ao venezuelano são, na realidade, narrativas da oposição. O presidente do Uruguai contestou imediatamente. Outros presidentes também divergiram do brasileiro. O objetivo era, apenas, reintroduzir Maduro no circuito político latino-americano, nada mais. Lula se excedeu naquele momento e laborou em equívoco na recente entrevista a uma emissora de rádio.

Não foi atitude inteligente do presidente brasileiro. Aos trancos e barrancos a economia brasileira está se integrando à corrente de comércio mundial. O agronegócio, que sustenta o Produto Interno Bruto, é realizado em dólares através de complicadas operações de exportação e importação de fertilizantes da Rússia, por exemplo. A política externa hoje tem mais influência na política interna do que jamais ocorreu na história do Brasil. Quanto mais à esquerda, mais ele perde votos no numeroso eleitor conservador, que já se mostrou mobilizado e atento.

Os novos tempos apareceram nos resultados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os brasileiros que moram no Brasil somam 203.062.512 pessoas, pequeno aumento de 12 milhões na população que aqui vivia em 2010. A região que mais cresceu foi o Centro-Oeste, o que demonstra o acerto do presidente Juscelino Kubitschek em transferir a capital para o centro do país. Brasília, aliás, já é a terceira maior cidade atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. O que chama a atenção é o pequeno crescimento da população. Acabou aquele período de explosão populacional. Nunca o país cresceu tão pouco.

Salvador e Rio de Janeiro viram sua população diminuir. As cidades que mais cresceram estão ao longo do ciclo da soja no Centro-Oeste. Uma delas, Parauapebas, no Pará, responde a outra lógica. É a cidade voltada para dar apoio à gigantesca operação da Vale na Serra dos Carajás, onde fica a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo. A estrada de ferro da Vale, além de levar o produto, carrega também passageiros daquela localidade até cidade próxima a São Luís do Maranhão.

O reduzido crescimento se explica por vários caminhos. As epidemias de covid-19 e de zika provocaram muitas mortes e inibiram o nascimento de brasileiros. Mas muitos nacionais decidiram viver em outros países. Só em Portugal, há mais de 250 mil legalmente registrados. Nos Estados Unidos, somam mais de um milhão. Os brasileiros, cansados dos políticos, decidiram viver em outro país, mais organizado e menos confuso. Na Austrália, há importante contingente de brasileiros.

Essa é a fotografia dos novos tempos no Brasil. Menos crescimento significa menor necessidade de construir escolas, creches e outros equipamentos urbanos, mas exige melhor educação, mais saúde, para que haja mais produtividade e geração de renda, que, dividida por menos gente, tende a crescer. Muito ainda vai se escrever e discutir sobre quem herdará o espólio de Bolsonaro e quais são os possíveis candidatos à Presidência da República em 2026. Os governadores são candidatos óbvios. Mas o vice-presidente, Geraldo Alckmin, sabe correr por fora, costurar alianças em silêncio e perceber o momento certo para colocar seu bloco na rua.

André Gustavo Stumpf, Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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