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TECNOLOGIA

Artigo: Novas tecnologias não caem de paraquedas

propriedade intelectual, conjunto de direitos que protege os ativos intangíveis resultantes da pesquisa científica, foi o ponto central das discussões.

 Jhonatan Vieira/Esp. CB/D.A Press -  (crédito:  Jhonatan Vieira/Esp. CB/D.A Press)
Jhonatan Vieira/Esp. CB/D.A Press - (crédito: Jhonatan Vieira/Esp. CB/D.A Press)
RENATO ALENCAR PORTO
postado em 01/07/2023 06:00

O título deste artigo remete à frase do Senador Izalci Lucas (PSDB) em um dos painéis do recente Seminário LIDE de Propriedade Intelectual do qual participei. Neste encontro, membros do Executivo e do Congresso debateram com destacados acadêmicos e especialistas da indústria a importância da propriedade intelectual como instrumento de indução à inovação. A propriedade intelectual, conjunto de direitos que protege os ativos intangíveis resultantes da pesquisa científica, foi o ponto central das discussões.

O maior debate proposto aos presentes foi sobre como a (in)segurança jurídica afeta diretamente os investimentos em inovação. Questionou-se se caberia, em prol aumentar acesso a tecnologias no curto prazo, prejudicar demasiadamente o desenvolvimento de novas tecnologias no longo prazo. Afinal, é sabido que o progresso científico e tecnológico que beneficiam a toda a sociedade não são alcançáveis com ecossistema jurídico regulatório instável e imprevisível, e em curto prazo.

Na mesma linha da fala do senador Izalci, já adverte a economista italiana Mariana Mazzucato em seu livro The Value of Everything: soluções inovadoras para os problemas da sociedade são resultado de trabalho coletivo e de investimentos de longo prazo. Inovar é um processo demorado, incerto e custoso, dependente de grande soma de capital humano e financeiro além de rede de colaboração entre diversos técnicos. Neste ponto, oferecer ambiente seguro para que tais investimentos possam ocorrer é passo fundamental para promover ecossistema inovador de sucesso.

No caso da indústria farmacêutica, estudos demonstram que a segurança e previsibilidade do sistema de propriedade intelectual é ainda mais importante, como apresentado pelo professor Gesner de Oliveira (FGV). Os números falam por si: comprovou-se que no Reino Unido investimentos em P&D para buscar novos medicamentos seriam reduzidos em mais de 60% na ausência de patentes e, nos EUA, 65% dos novos medicamentos não existiriam. Em outras palavras, sem proteção da propriedade intelectual às novas invenções, no longo prazo a humanidade não acessará novos medicamentos e terapias aptas a trazer maior qualidade de vida aos pacientes, e com certeza, a cura para muitas doenças.

E aqui reforçamos: os investimentos estão sendo feitos. Dados da consultoria IQVIA demonstram que apenas as 15 maiores empresas farmacêuticas globais investiram impressionantes US$ 138 bilhões em pesquisa de novas moléculas em 2022, um aumento de 43% em relação a 2017. O resultado? No último ano, foram identificadas 64 novas substâncias ativas, um número expressivo que supera os anos anteriores à pandemia de Covid-19. Essas substâncias são esperança de novas soluções para doenças hoje existentes.

Outro aspecto relevante sobre o processo de inovação no setor farmacêutico é o tempo. O desenvolvimento de um novo medicamento demanda cerca de 10 anos de pesquisa e testes rigorosos desde a identificação de nova molécula até a conclusão das várias fases de pesquisa clínica necessárias à aprovação junto aos órgãos reguladores. Logo, a estabilidade normativa e regulatória também pesa na tomada de decisão quanto aos investimentos desse setor.

Para pacientes que padecem das enfermidades mais complexas hoje, o tempo também é de suma importância. Assim que novas tecnologias em saúde precisam estar disponíveis para a população. Medicamento certo é aquele que tem dose certa, para o paciente certo, hora certa! Infelizmente, levantamento da Interfarma demonstra que o Brasil recebeu apenas 37% dos 460 medicamentos que foram lançados entre 2012 e 2021 no mundo. Pacientes brasileiros com doenças raras, oncológicas, infecciosas, hematológicas, cardiológicas dentre outras tem menor acesso aos medicamentos mais inovadores do que a média dos países da OCDE, em parte pela incapacidade do país de demonstrar segurança jurídica e alinhamento a padrões internacionais na proteção da propriedade intelectual. Recente estudo consultoria Copenhagen Economics demonstrou, comparando 53 países, que se o Brasil adotasse padrões internacionais para proteção do dossiê regulatório dos medicamentos inovadores apresentado à Anvisa haveria aumento de quase 40% destes medicamentos no mercado nacional.

A inovação na indústria farmacêutica depende fortemente dos investimentos em P&Drealizados hoje, visando o futuro tratamento de doenças que ainda não foram completamente compreendidas. A preocupação em garantir acesso e cura de doenças futuras destaca a importância de uma visão estratégica da propriedade intelectual no Brasil e a necessidade de um ordenamento jurídico que ofereça segurança e proteção aos investimentos no setor. Garantir segurança jurídica e regulatória é privilegiar investimentos em novas tecnologias, que por consequência trará o desenvolvimento de um ecossistema capaz de garantir qualificação técnica a pesquisadores no Brasil, aumentando as pesquisas clínicas realizadas em centos de pesquisas nacionais, poderá aumentar o PIB brasileiro em cerca de U$ 6,6 bilhões, e por fim pode transformar o Brasil em um excelente país para P&D farmacêutico.

Por fim, um ambiente regulatório favorável e eficiente é capaz de garantir a proteção da propriedade intelectual e promover a competitividade do setor farmacêutico, atraindo mais investimentos e mais tecnologias inovadoras já disponíveis em outros países. A criação de políticas públicas adequadas, o fortalecimento dos órgãos responsáveis pela concessão de patentes e a harmonização legislativa a padrões internacionais são elementos essenciais para impulsionar a inovação e o desenvolvimento científico no país. E com isso, promover maior acesso a modernos medicamentos que garantem e garantirão melhor qualidade de vida aos pacientes brasileiros.

RENATO ALENCAR PORTO, presidente executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa)

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