NULL
MATERNIDADE

Artigo: Precisamos falar sobre mortalidade materna

Segundo a ONU, a cada dois minutos, uma mulher morre no planeta durante a gravidez ou parto. Levantamento do Ministério da Saúde aponta que a mortalidade materna alcançou o índice de 117,4 mortes a cada 100 mil nascidos vivos no Brasil em 2021

07/11/2013. Crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Silvia Lobo e demais mulheres grávidas fazem exercícios para gestantes. -  (crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press)
07/11/2013. Crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Silvia Lobo e demais mulheres grávidas fazem exercícios para gestantes. - (crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press)
ANDREA CIOLETTE BAES
postado em 01/07/2023 06:00

Nós, mulheres, somos 51,1% da população brasileira. Um total de 108,7 milhões. Todos somos fruto de uma gravidez. Seja planejada ou não. Com acompanhamento pré-natal de qualidade e tudo que manda o figurino… ou não. Geralmente, o tema gravidez precede a vontade de falar sobre vida e esperança. Mas essa nem sempre é a única narrativa possível.

Não podemos ignorar que ainda existam índices altíssimos de gestações não planejadas (aquelas que não foram programadas) e não desejadas (não aceitas pela mãe, pelo pai ou pela família da gestante). Um relatório realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) diz que 50% das gravidezes no mundo não são planejadas. Mais de 60% delas acabam em aborto e quase metade deles não são feitos de forma segura.

Ainda segundo a ONU, a cada dois minutos, uma mulher morre no planeta durante a gravidez ou parto. Levantamento do Ministério da Saúde aponta que a mortalidade materna alcançou o índice de 117,4 mortes a cada 100 mil nascidos vivos no Brasil em 2021. Naquele mesmo ano, o país registrou mais de 2,6 milhões de partos pelo SUS. Fazendo um comparativo, nos Estados Unidos, houve 32,9 mortes maternas por cada 100 mil nascimentos vivos em 2021. Número ainda considerado alto pelos especialistas.

Falar sobre gravidez, especialmente no Brasil, é falar sobre desigualdades: social, regional e, principalmente, de gênero. Se para o nascimento de uma nova vida o processo da gravidez é indispensável, por que então não estamos falando mais sobre mortalidade materna? (Caracterizada pela morte de uma mulher durante a gravidez ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, o puerpério).

Ao apontar a questão da desigualdade social, saliento que, entre os principais fatores para a mortalidade materna, estão o deficit em acesso a uma saúde de qualidade e a métodos que garantam o planejamento reprodutivo para evitar a gravidez indesejada e os casos de complicações por causa de morbidades pré-existentes. Vivemos uma realidade onde quem tem menos acesso à saúde de qualidade são pessoas de classe econômica mais baixa — no Brasil, um a cada três brasileiros não tem acesso à saúde básica.

No que tange às desigualdades regionais, ressalto os dados que escancaram essa dura realidade: as maiores taxas de mortalidade materna a cada 100 mil nascidos vivos foram observadas no Piauí (98,1), Pará (96,1), Roraima (91,9), Amazonas (84,8) e Maranhão (80,6). Fazendo cruzamento com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses estados registraram as maiores taxas de pobreza do país, acima de 33% em 2022. As menores taxas de mortalidade foram observadas no Distrito Federal (21,2) e em Santa Catarina (30,6) — que também constam na lista do IBGE como estados com menores índices de pobreza: 17,3% e 13,9%, respectivamente.

Sobre desigualdade de gênero, bem, nesse aspecto poderíamos tecer centenas de artigos sobre como esse ponto é crucial para a questão local e globalmente. É perceptível a enorme lacuna existente nos investimentos e pesquisas para avançar nas opções de tratamento para elas. Nos Estados Unidos, um estudo de 2020 revelou que apenas 1% da pesquisa e inovação em saúde é investida em soluções exclusivas para mulheres.

Em 2019, conforme o Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupava a 92ª posição em um ranking que mede a igualdade entre homens e mulheres num universo de 153 países. As mulheres brasileiras estão sub-representadas na política, têm remuneração menor, sofrem mais assédio e estão mais vulneráveis ao desemprego.

Quais as possíveis soluções? Trago aqui os aspectos apontados nesse artigo como pontos a serem pensados e que necessitam de discussões e ações urgentes. É necessário acesso universal e igual à saúde, com consultas, pré-natal, tratamentos eficazes e a métodos contraceptivos que permitam autonomia e planejamento familiar com dignidade a todas.

Precisamos falar da saúde da mulher e de pessoas com útero. Precisamos dar mais atenção ao assunto. Precisamos de mais investimento, além de avanços sociais e tecnológicos. Precisamos de tudo isso porque estamos morrendo. A cada dois minutos. Ao final desta leitura, cerca de duas mulheres morreram durante a gestação ou o parto. O relógio não para. Até quando?

 ANDREA CIOLETTE BAES, diretora de Saúde Feminina da Organon Brasil

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->