The secret history of lead, livro de Jamie Kitman do ano 2000, denuncia uma trama criminosa entre as indústrias petrolíferas e as indústrias automobilísticas do início do século 20. Elas se juntaram para pesquisar um aditivo à gasolina que funcionasse como antidetonante (pré-ignição) decorrente da baixa octanagem da gasolina comum e sem o qual os motores Otto teriam vidas efêmeras pelo desgaste antecipado de seus mecanismos, especialmente das válvulas.
Em 1916, a GM comprou um laboratório de pesquisas automotivas na cidade de Dayton/Ohio, chamado Dayton Engineering Laboratories Company — Delco (sim, o mesmo nome da bateria atual, cujo dono original descobriu a partida elétrica para os veículos) e contratou pesquisadores para investigarem um aditivo antidetonante para a gasolina. Seu principal pesquisador foi um jovem químico, Thomas Midgley Jr., que depois de testar inúmeros produtos — de manteiga derretida a cânfora —, chegou em 1921 à fórmula de mistura com o chumbo tetraetila, "tetraethil lead" ou simplesmente TEL, com loas de sucesso e garantia de lucros para as automotivas e para as petrolíferas, que tinham nos automóveis a grande expectativa de mercados para o petróleo.
Note-se que o TEL tinha sido descoberto, em 1847, por alemães que o descartaram para uso comercial por ser extremamente venenoso e que grande parte dos trabalhadores da Delco morreram intoxicados pelo chumbo nos experimentos, além de milhões por este mundo afora pela inalação desse veneno expelido pelos gases de escape dos autos (não somente aqueles do petróleo, como enxofre e óxidos de nitrógeno, mas um novo, extremamente tóxico). O próprio etanol foi misturado à gasolina com desempenho excelente, mas também descartado à época por falta de garantia de fornecimento e, mais importante de tudo, o novo produto a ser aditivado à gasolina renderia royalties ao detentor de sua patente, como foi o caso da GM, que lucrou poucos centavos nos billhões de litros de gasolina.
Saiba Mais
De 1925 a 1974, o TEL foi consumido internacionalmente embora com crescentes questionamentos sanitário-ambientais, tendo sido condenado pelo governo dos EUA a partir deste último ano, quando impôs um processo de phasing out (eliminação gradual) de quatro anos. As alternativas de substituição seriam: 1) gasolinas premium de alta octanagem, muito restritas, porém, na destilação do petróleo; 2) MTBE — metil butil eter; 3) ETBE, similar ao MTBE, mas com etanol no lugar do metanol e portanto mais caro e sem garantia de suprimento; 4) etanol direto na mistura mínima de 10%, pelo seu alto nível de octanagem.
Optaram pelo MTBE mais barato e que vigorou plenamente até 1995, quando a Lei do Ar Limpo, em sua primeira versão, também o condenou como venenoso e reorientou a mistura para o etanol de milho, qualquer que fosse seu custo, com crescente produção a partir do ano 2000: 6,15 bilhões de litros; 41,34 bilhões em 2010 e 60 bilhões na atualidade. Foi uma atitude do governo dos EUA que impôs o produto em nome da saúde pública de seus concidadãos, retirando do mercado cerca de 1/3 de sua produção anual de milho, de 360 milhões de toneladas, a maior do mundo.
O Brasil, quieto no seu canto, editou em 14/11/1975 o Decreto 76.593 criando o Proálcool, programa especial de produção de etanol-combustível a partir da cana-de-açúcar, que iniciou com misturas crescentes de etanol-gasolina até alcançar o nível atual de 27,5%, além dos veículos flex, eliminando completamente os riscos de poluentes venenosos de chumbo, MTBE ou mesmo dos intrínsecos ao petróleo. Quantas milhões de vidas terão sido poupadas por essa iniciativa ambiental, certamente a mais louvável do mundo em termos de limpeza do ar? Essas preocupações não faziam parte da pauta política e poucos se lembram delas.
Fora dos Estados Unidos (EUA) e do Brasil, quase todos os demais países ainda recorrem ao MTBE. Os EUA são os únicos a exportar etanol em volumes significativos, e uma pesquisa junto à Energy Information Agency identificou quais países importaram etanol supostamente para mistura direta antidetonante. Para surpresa geral, somente Peru, Filipinas e Singapura lograram essas metas de etanol em volumes suficientes para atingir 10% da gasolina consumida. Alguns países decidiram apelar para o ETBE (ethyl-buthil-ether), com o etanol não tóxico importado dos EUA para ser misturado à gasolina ETBE com 3,5% aproximadamente. Os demais países estariam ainda "envenenando" seus habitantes com MTBE ou mesmo chumbo TEL, até que novas informações sejam capazes de desmentir essa assertiva ou contestar a atitude dos EUA de banir as misturas como venenosas.
O Brasil já desponta como líder mundial na preservação de matas nativas, utilizando somente 20% do seu enorme território para pastagens plantadas (110 milhões de hectares) e lavouras (primeiras safras: 65 milhões de hectares); tem a matriz energética mais limpa do mundo na relação renováveis/fósseis. O Proálcool limpou nosso ar antes de qualquer país. Resta um esforço final para limpar nossas águas urbanas ainda emporcalhadas por esgotos domésticos e industriais sem tratamento.
ALYSSON PAOLINELLI, engenheiro agrônomo, foi ministro da Agricultura
ANTONIO LICIO, economista,Ph.D., representou o Ministério da Agricultura na Comissão Nacional do Álcool