ataques em escolas

Artigo: Para proteger a escola, é preciso abraçar a comunidade

Experiências internacionais já mostraram que detectores de metais, botões de pânico, agentes de segurança e grades não são respostas eficazes e, até, acabam por incrementar práticas abusivas e discriminatórias

Os ataques em escolas nos forçam a pensar: além da solidariedade aos que sofreram perdas tão brutais, como nos posicionarmos para que a busca por soluções não recaia exclusivamente sobre a escola e para não torná-la alvo do medo e de respostas simplistas? Experiências internacionais já mostraram que detectores de metais, botões de pânico, agentes de segurança e grades não são respostas eficazes e, até, acabam por incrementar práticas abusivas e discriminatórias. Em tempos sombrios, o espaço escolar deve ser ainda mais valorizado e acolhido como reduto fundamental para a construção de uma sociedade mais saudável, justa e inclusiva.

A escola é o lugar onde aprendemos a nos relacionar e conviver fora da família. É, portanto, um ambiente de socialização essencial para crianças, adolescentes e jovens. O que os dados para além dos ataques recentes mostram é que atravessamos um período turbulento no pós-pandemia, em que se intensificaram as dificuldades de relacionamento, além do comprometimento da saúde mental e emocional de professores e estudantes. Nesse sentido, os casos mais violentos são a ponta do iceberg. Discriminação, atitudes preconceituosas e práticas de bullying são situações que precisam ser enfrentadas no dia a dia do ambiente escolar como parte legítima do currículo. A qualidade das relações — entre estudantes, entre estudantes e professores, entre profissionais — e do clima escolar precisam, finalmente, ser vista como pauta estratégica nas políticas educacionais.

Especialistas no tema, como a professora Telma Vinha, da Faculdade de Educação da Unicamp e coordenadora associada do Gepem — Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral, da Unesp/Unicamp, ressaltam a importância de a escola se fortalecer como comunidade, em que as pessoas se amparam, onde existam espaços de participação, de escuta e comissões para ajudar a pensar questões e problemas. A professora Telma também participou de um estudo recente que mapeou a escalada exponencial de ataques com violência extrema em escolas brasileiras. Dos 23 registros nos últimos 20 anos, sete foram apenas no segundo semestre de 2022.

Uma mudança de cenário pressupõe alguns passos. O primeiro é a prevenção, investindo na qualidade do clima escolar, de espaços e protocolos de apoio na rotina das atividades escolares. As tentativas de inibir condutas e episódios violentos são apontadas, por exemplo, na pesquisa aplicada A Convivência como Valor nas Escolas Públicas: implantação de um Sistema de Apoio entre Iguais, uma parceria da rede estadual de São Paulo e de pesquisadores do Gepem, contemplada pelo edital Anos finais do ensino fundamental: adolescências, qualidade e equidade na escola pública, realizado pelo Itaú Social.

Entre as recomendações do estudo estão a reorganização do currículo educacional, tendo em vista a urgente intervenção nos problemas de sofrimento emocional que assolam os estudantes; a abordagem do tema da convivência digital nas escolas e a implementação de propostas que permitam a participação efetiva de quem mais conhece os desejos e necessidades da adolescência — os próprios estudantes.

Um segundo passo é o fortalecimento da escola como parte integrante da Rede de Proteção da Criança e do Adolescente. Para isso, governos municipais e estaduais precisam garantir o cumprimento de protocolos de articulação e colaboração entre diferentes atores nos territórios. Um terceiro movimento, que complementa os dois primeiros, é a articulação da escola com equipamentos da cultura, artes e esportes, para a promoção de uma agenda positiva voltada ao bem-estar físico, mental e emocional das crianças e adolescentes, de maneira que vínculos positivos se construam como alternativa aos comportamentos de risco e ao chamariz de grupos de ódio que proliferam nas redes sociais.

Há toda uma produção de evidências que datam dos anos de 1990 que já nos mostraram que, para combater comportamentos de risco, a melhor resposta não é dar palestras sobre eles, mas oferecer alternativas de experiências voltadas ao desenvolvimento integral e à convivência entre pares. Ignorar esse conhecimento acumulado para aplacar a ansiedade de famílias e profissionais é um erro que não pode ser alimentado.

A escola pode — e já é — um dos ambientes mais seguros e potentes para que crianças e adolescentes formem um senso de comunidade a partir de múltiplos encontros e diálogos. Mais do que nunca, é importante que a sociedade a enxergue como espaço de construção de relacionamentos sociais e de desenvolvimento integral, promovendo amparo e apoio psicológico aos alunos, profissionais da educação e comunidade escolar. Igualmente urgente é a necessidade do suporte para que educadores tenham, de fato, tempo disponível para acolhimento e preparação de estratégias que fortaleçam os vínculos e o senso de pertencimento entre os estudantes, em benefício da melhoria da qualidade das relações. Quanto mais a escola se relacionar com as famílias e com o território em que atua, e quanto mais estiver sustentada em uma rede de proteção dos direitos da criança e dos adolescentes, mais potente estará para exercer seu papel de transformação social.

 Patrícia Mota Guedes - Superintendente do Itaú Social

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