Questiona-se o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin Martins — indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a vaga do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou —, por não ter carreira acadêmica e de jurista, como outros colegas da Corte. Antes da aprovação de seu nome pelo Senado, Zanin foi atacado por não "ser mestre, doutor, livre docente ou professor titular, doutor honoris causa". Apesar das críticas, obteve 76,3% dos votos dos senadores, excelente votação, em se tratando de um plenário cuja composição é majoritariamente conservadora.
Zanin exerceu a defesa do presidente Lula no processo do triplex de Guarujá, na Operação Lava-Jato, sustentando uma tese basilar, mas desconsiderada à época: o princípio do juiz natural, que prevaleceu e assegurou a liberdade do réu. No caso em questão, o juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, o hoje senador Sergio Moro (União-PR), além de avocar para si um processo que nada tinha a ver com o escândalo da Petrobras, agiu com notória parcialidade, como constatou-se depois.
Na sua sabatina, Zanin fez uma antológica defesa da advocacia: "Alguns me rotulam como advogado pessoal porque lutei contra direitos individuais, mesmo contra a maré, sempre respeitando as leis brasileiras e a Constituição. Há quem me classifique como advogado de luxo, porque defendi estritamente com base na lei causas empresariais e agentes institucionais importantes para economia. E ainda me chamam de advogado de ofício, como se fosse um demérito injustificado. Respondo sempre que procurei desempenhar minha função com maestria, acreditando no que é mais caro para qualquer profissional do direito: a Justiça".
O novo ministro aproxima a Corte da advocacia real. Zanin invocou a imparcialidade nos julgamentos como elemento fundamental e estruturante da Justiça. O que poderia ser visto como ameaça, o fato de ter uma trajetória de advogado militante e líder de grande banca, com esse entendimento, será um ponto forte da sua atuação na Corte, pois é a premissa da confiança no bom direito. Temos mais um ministro do STF comprometido com a democracia representativa e o direito de defesa dos réus.
É falsa a tese de que a indicação de Zanin deu ao Supremo uma dimensão política que não tinha antes. Todos os seus integrantes foram indicados por presidentes da República, a partir de critérios pessoais; houve caso até de ministro indicado por laço de parentesco, mas teve notável atuação na Corte. A dimensão política do Supremo é de outra natureza. Como um dos Poderes da República, o Supremo também é uma Corte política, responsável pela defesa da Constituição brasileira, mesmo que para isso deva tomar decisões contramajoritárias, ou seja, que contrariem a opinião pública e/ou o stablishment, em defesa dos direitos das minorias.
O "ativismo judicial" do STF é provocado pela omissão do Legislativo em relação aos temas polêmicos na sociedade, como o aborto e o casamento gay, ou decorrência de abusos de poder, quando o Estado fere a Constituição, e os prejudicados reagem juridicamente. A chamada "judicialização da política" não é obra do Supremo, que somente se manifesta quando provocado, mas dos partidos políticos que recorrem à Corte.
Os compromissos assumidos por Zanin, ao ser sabatinado no Senado, revelam um perfil liberal clássico, "garantista": "O julgador tem que interpretar a Constituição, mesmo buscando regras que estejam contidas no bojo dos 250 artigos e que precisem de eficácia adicional, mas não pode criar direito, porque é atribuição do Congresso".
Os posicionamentos de Zanin em relação a temas polêmicos da atualidade, como o marco temporal das terras indígenas, o aborto e as fake news, ainda são uma incógnita, mas é de se esperar que defenda o princípio do dano, essencial no liberalismo, ou seja, que as pessoas devem ter total liberdade para escolher o que fazer, mesmo que isso acarrete consequências; porém, jamais afetar negativamente e prejudicar a vida de outras pessoas.