O ex-secretário da Receita Federal, doutor Everardo Maciel diz: "Presumir o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) como órgão de arrecadação é desnaturar sua vocação, como já afirmara o tributarista Hamilton Dias de Souza no artigo "Voto de qualidade: inconstitucionalidade por falta de pressuposto de fato". A Lei nº 13.988, de 2020, extinguiu o voto de qualidade no Carf, que era invariavelmente proferido por um representante do fisco, e previu que, nos casos de empate, a decisão beneficiaria o contribuinte.
Esse imbróglio decorre da inviável representação paritária do fisco e do contribuinte. Órgãos de deliberação com um número par de membros encerram sempre a hipótese de empate nos julgamentos, o que implica a adoção de questionáveis critérios de desempate. Além disso, a legitimidade da própria representação é discutível.
Para enfrentar as impropriedades da paridade e da legitimidade da representação, uma solução seria prover o órgão de julgamento com servidores concursados para a função, abdicando da "representação" do fisco e do contribuinte, preservando a instância administrativa no processo tributário e compondo suas turmas com um número ímpar de julgadores. Esse modelo é adotado em Pernambuco, desde 1978, para os tributos de sua competência".
Embora concorde com as críticas de Maciel, tenho outra visão sobre a matéria em exame. No Brasil, os Fiscos autuam (União, estados e municípios, além do INSS) e os contribuintes podem, se quiserem, se defender na esfera administrativa. Mas há uma diferença. Se o Fisco perder, a matéria morre para sempre. Sendo o contribuinte vencido, é-lhe garantido acesso ao Poder Judiciário mediante ações anulatórias da autuação fiscal ou mesmo com embargos à execução das Fazendas Públicas (buscando a anulação da pretensão fiscal).
No âmbito da União, o Carf é o órgão recursal máximo do contencioso administrativo. Sou adepto de outro desenho para a integração da esfera administrativa à judicial. Pessoas físicas e jurídicas devem ser seriamente consideradas pelos três níveis de governo da Federação brasileira (que é triádica e não dual, como é usual) pois o Município, segundo a CF/88 tem reconhecimento no pacto federativo brasileiro, uma dignidade que não lhe é reconhecida noutros Estados federais.
Juizados especializados são mais precisos e rápidos sem falar que em direito tributário há teses que atingem milhares e até milhões de pessoas. Esse entendimento, perfilhado no passado por dr. Gilberto de Ulhôa Canto, opta pela integração da esfera administrativa na jurisdição. Penso que autuado o contribuinte tem o direito de se opor à pretensão fiscal perante um colegiado de julgadores para tanto concursados em cada nível da Federação. Esta é a solução mais natural e consentânea.
Uma vez vencidos, os acórdãos administrativos deveriam ser apreciados, em grau de recurso (tribunais de justiça e tribunais regionais federais) com possibilidade, é claro, de subir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (em caso de argumento constitucional).
A França, em face da importância do Parlamento e da imponência da sua República — o que influenciou e, de certo modo, retornou a ela dos Estados Unidos — optou pelo semipresidencialismo. Melhor fez o Reino Unido, em vez de acabar com a nobreza, inventou a Câmara dos Lordes, quase um clube, e notabilizou todo o poder no seu fortíssimo Parlamento, ficando os reis como peças de decoração e de incremento turístico. Portugal é também semipresidencialista e goza de notável estabilidade política, mormente pelo fato de praticamente os partidos se abrigarem em duas coligações.
Mas a França, ao contrário do Reino Unido, optou pela dualidade de jurisdição. As questões que envolvem o Estado são resolvidas em última instância pelo Conseil D'état. Os particulares resolvem perante o judiciário.
Portugal, sabiamente, integrou o contencioso, administrativo e judicial, como sugerimos há pouco. Fomos, durante muito tempo, aplicadores das ordenações manuelinas e depois das ordenações filipinas, ao tempo em que Portugal, Castela, Leão e Aragão viveram sob o cetro de Felipe.
Temos apenas uma diferença em relação ao direito português. É que, na parte constitucional, nossa matriz é norte-americana: Tripartição de Poderes, Federalismo, República e Suprema Corte com o poder de declarar as leis inconstitucionais e anular atos administrativos do Poder Executivo (o que os autores americanos chamam de supremacia do judiciário).
Nessa questão por último mencionada, a da Jurisdição Constitucional, o direito europeu ditou a solução de cortes constitucionais sob mandato (não vitaliciedade) com os seus julgadores, sendo indicados pelo Executivo, Legislativo e o Judiciário, seja o país da república ou reinado. Por lá, são todos parlamentaristas ou semiparlamentaristas (França e Portugal).
Sacha Calmon - Advogado