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Artigo: O diploma mais barato do mercado é o diploma negro

Para o meio acadêmico, a negritude não serve como produtora de conhecimento, mas se presta a objeto de estudo

Em 2007, ingressei no curso de psicologia. Para meus pais, fazer faculdade parecia algo distante. Nesse cenário, é possível mensurar a importância de me ver adentrar o meio acadêmico. Naquele tempo, políticas como o ProUni e as cotas ainda estavam nos seus primeiros passos. A pequena parcela da população negra que ingressava no ensino superior tinha grande expectativa de sucesso profissional.

Paulatinamente, alguns acontecimentos foram minando essas expectativas. No curso que estudava, a ausência de literatura produzida por pessoas negras na grade de ensino poderia servir como um sinal de alerta. Ainda assim, ocorreu-me que seria minimamente precoce obter conclusões durante a graduação. Àquela altura, epistemicídio não era (e ainda não é) um conceito difundido.

Obviamente, não se trata de questionar a relevância de autores como Freud, Foucault ou Skinner, mas indagar o motivo de autores europeus e norte-americanos serem utilizados para explicar comportamentos de toda e qualquer cultura ao redor do mundo, mesmo que seus estudos não tenham contemplado esses povos. Por seu lado, importantes pensadores oriundos de países menos prestigiados pelo meio acadêmico são frequentemente esquecidos.

Foi assim que me formei sem ter sido apresentado a Frantz Fanon, Neusa Santos, Juliano Moreira e Na'im Akbar. Só para citar alguns exemplos. Nomes com importantes contribuições, mas ignorados nas faculdades de psicologia. Para ter acesso aos seus conteúdos, foi necessária uma segunda formação, quase autônoma, junto com outras pessoas negras. Para o meio acadêmico, a negritude não serve como produtora de conhecimento, mas se presta a objeto de estudo.

Paralelamente, fui buscando recolocação profissional. Lembrando do que ouvira de meus pais, acreditava que o diploma universitário facilitaria meu caminho no mercado de trabalho, todavia tal qual outros colegas de profissão negros, observava certa dificuldade em ser aprovado nos processos seletivos de que participava, mesmo tendo todas as qualificações necessárias. Quando contratados, frequentemente nos direcionavam para atividades de menor complexidade e baixa remuneração, se comparados aos profissionais brancos. Era como se não tivéssemos conhecimento suficiente para exercer as tarefas solicitadas pelo cargo. Pegando carona com a escritora nigeriana Buchi Emecheta, éramos profissionais de segunda classe.

Visando a uma maneira de lidar com essa problemática, foi necessário formar uma rede profissional com outros terapeutas negros. Em uma ocasião, participei de uma roda de conversa sobre psicologia e racismo, quando a palestrante fez uma importante observação. Ela mencionou um determinado setor de atuação que tem muitos profissionais negros, mas também é conhecido pela baixa remuneração e ausência de benefícios trabalhistas. Verbalizou que, por ser uma área focada no atendimento de pessoas com menor poder aquisitivo, muitos de nós, pessoas negras, acreditávamos que nossa presença maciça naquele setor acontecia por identificação com o público, mas não percebíamos como, na verdade, éramos empurrados para lá por não termos oportunidades em outros locais.

Com essa dificuldade no mercado, o trabalho autônomo aparecia como uma solução. Na atuação clínica, seria possível estabelecer um valor de sessão que se adequasse melhor ao que esperávamos, além de podermos indicar pacientes uns aos outros. É certo que nos últimos anos houve uma maior procura por psicólogos negros. A questão é que, no imaginário coletivo, esses profissionais deveriam cobrar um valor abaixo do estipulado pelo mercado, ainda que tenham as mesmas experiências e qualificações que profissionais brancos. No atendimento clínico, nas palestras ou consultorias, a resistência em remunerar devidamente a pessoa negra autônoma também se mostrou evidente.

Elza Soares, sabiamente, cantou que "a carne mais barata do mercado é a carne negra". Ora, não somente a carne, mas todo e qualquer trabalho produzido por uma pessoa negra. É bem verdade que a formação universitária ainda é inacessível para boa parte da população, o que pode levar você, leitor, a considerar essa reflexão restrita a uma parcela privilegiada. Uma publicação elitista. Sugiro, então, que amplie essa reflexão para outras áreas, distantes do ambiente acadêmico. Com certeza, a dinâmica de desvalorização continuará. Enfim, atentemos a essas condutas que minimizam nossos conhecimentos. Valorizarmos nosso saber é imprescindível.

 RODRIGO XAVIER FRANCO, psicólogo, escritor e pesquisador de relações étnico-raciais

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