Cultura

Artigo: Vamos sambar?

O samba voltou. Neste fim de semana, desfiles da escolas de samba no Eixo Cultural Ibero-Americano, em pleno mês de forró e de quadrilhas

Muita gente estranhou o convite para assistir neste próximo final de semana aos desfiles das escolas de samba no Eixo Cultural Ibero-Americano, em pleno mês de forró e de quadrilhas. Mas, para quem vinha acompanhando o trabalho, o esforço e a boa dose de coragem do pessoal de outro ritmo, o samba, não foi surpresa.

É quase uma década de grito contido na garganta. Sem incentivo e tratadas como se fossem peças de museu, partes de um passado morto, as escolas de samba do Distrito Federal pareciam condenadas à extinção, atiradas à própria sorte. Uma quase inexistência, algumas sobrevivendo apenas nos nomes bordados em velhos estandartes.

O que estamos vendo hoje assemelha-se a um milagre, um milagre construído com a ajuda dos deuses do samba, recompensando dois anos de intenso trabalho, juntando os cacos e cacarecos do passado para recomeçar do zero. Reunidas em torno de um projeto chamado Escola do Carnaval, as escolas deixaram as rivalidades de fora para dar passagem ao samba machucado de outros carnavais.

Mais ou menos assim: foram chegando mulheres de largos sorrisos; costureiras; artesãs com suas agulhas, linhas e aviamentos; uma fantasia aqui, outra ali, um boneco travesso; crianças barulhentas ensaiando os primeiros passos. Vieram, a seguir, os músicos, percussionistas a bater no pandeiro, no couro do surdo, fazendo gemer a cuíca, repicando os tamborins... e não é que tínhamos uma bateria? Com maestro e tudo, e mestres-salas, e porta-bandeiras rodopiando como um balé. Foi aparecendo gente de todo canto, até churrasquinho de gato na porta, pedindo licença, cervejinha gelada, porque saco vazio não fica em pé e ninguém é de ferro.

O samba voltou. E foi então que passei a entender esse conceito novo de "escola", a se expandir de tal forma que logo tínhamos 13 escolas de samba prontinhas para entrar na passarela. Precisa de um nome? Ninguém pensou duas vezes em batizar de Marcelo Sena, um dos últimos moicanos a acreditar na vitalidade do samba do DF.

É, muita gente não acreditava, mas o samba voltou. E quero ver quem vai se opor a repetir a dose no ano que vem, e no outro, e mais além. Porque quando a capital do país se mudou para Brasília, por favor, ninguém se esqueça, trouxe o samba na bagagem. Ele só estava por aí, esperando a chuva passar para se mostrar de novo.

Falar do que vai representar o desfile deste fim de semana, a curto prazo, para a cultura, o turismo e a economia, a essa altura me parece desnecessário, cheira a conversa de quem está querendo justificar alguma coisa. Justificar o quê? A alegria estampada no rosto da passista com deficiência? Do pessoal da periferia superando preconceitos para mostrar sua arte e beleza? Do rei e da rainha em dia de majestade na capital do Brasil? Deixemos que a alegria fale por si. Sonhos não escolhem épocas e existem para serem realizados.

Porque o samba é contagiante e precisa estar doente do pé para lhe virar as costas. E o brasiliense (aqui entendido como o habitante dos quatro cantos do nosso quadradinho), ao longo do tempo, aprendeu a juntar tudo quanto é ritmo, capaz até de zoar e dizer que nós aqui temos até o sambaforró, com milho verde, pamonha e canjica nas barracas. Ah, junto com jantinha e churrasco.

 BARTOLOMEU RODRIGUES, secretário de Cultura e Economia Criativa do DF

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