Quando a Constituinte encerrou os trabalhos em outubro de 1988, a política brasileira era mais simples do que é hoje. Não havia internet nem smartphone e muito menos fake news. A TV a cabo era uma promessa. As notícias chegavam às pessoas por intermédio de jornais impressos em papel e dos noticiários da TV aberta. No território da política, a maioria dos parlamentares tinha alguma militância contra os governos militares. Poucos apoiavam, de público, a direita da época. O agronegócio ainda era uma promessa que somente os especialistas enxergavam.
O muro de Berlim caiu um ano depois. A guerra fria terminou, a União Soviética se esfarelou e os países do leste europeu foram se passando para o lado ocidental. A política internacional mudou radicalmente. A globalização tomou conta do comércio e violou as fronteiras nacionais. Os países europeus consolidaram a União Europeia no caminho de se transformar numa única grande nação. E criaram a moeda única, o euro, com um banco central independente que determina as taxas de juros para toda a região. Os Estados Unidos emergiram como a única grande potência do planeta.
A anistia de agosto de 1979 iniciou o processo de reorganização partidária do Brasil. O MDB, Movimento Democrático Brasileiro, foi a legenda que abrigava as mais diversas tendências, todas elas de oposição. Na Constituinte elas já se mostraram de maneira mais nítida. E surgiu a novidade do Partido dos Trabalhadores, que não queria ter nenhum vínculo com os antigos partidos trabalhistas. Somente Brizola assumiu a herança do getulismo com o seu PDT. Os partidos conversadores se uniram em torno da Arena. Mais tarde uma dissidência desse partido criou o PFL e permitiu a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
Época muito rica na política. Na primeira eleição direta para presidente da República, depois do regime militar, surgiu a figura de Fernando Collor com seu projeto de perseguir marajás e fazer a abertura da economia brasileira. Foi o início de uma radical privatização de empresas públicas. A intenção era colocar o país no nível das modificações que estavam ocorrendo no mundo exterior, dentro do chamado consenso de Washington. Collor caiu e o movimento modernizador saiu de cena. Só retornaria à pauta presidencial na administração Fernando Henrique Cardoso.
Depois daí, o período é dominado pela hegemonia do PT, com o grande timoneiro Lula regendo sua orquestra voltada para o interesse do trabalhador e o aumento da presença do Estado na economia. As políticas social-democratas, que estavam na ordem do dia ao tempo da Constituinte, saíram de pauta. Restaram as confusas teorias chamadas de nova matriz econômica ao tempo da presidente Dilma Rousseff. Elas provocaram uma pesada recessão e a perda do grau de investimento que havia sido outorgado ao Brasil pelas agências de classificação de risco em 2008 e retirado em 2015. Enfim, o Brasil piorou. A corrupção explodiu.
O cenário político se embaralhou e sobrou muito pouco do que havia na Constituinte e logo após dela. Mudou uma geração. Os líderes daquela época já não estão mais aqui. A nova fornada de parlamentares não guarda semelhança com aqueles que lutaram contra a ditadura militar. Emergiram novas forças. A direita perdeu a vergonha de mostrar a face. Os conservadores não escondem que trabalham a favor da redução do poder do Estado, da privatização de empresas públicas e de acabar com a ameaça de invasões de terra.
Para tornar o cenário mais complexo, surgiu a nova força política que representa o agronegócio. O ministro Fernando Haddad está feliz com os números da economia: produto interno bruto em alta, inflação em baixa, bolsa com números bem elevados. Em boa parte, o responsável pelo agradável momento econômico é o agronegócio, que bate recordes na exportação, contribui para elevar as reservas em moeda estrangeira e ajuda no combate à carestia. Essa turma é muito bem representada no Congresso Nacional. O presidente Lula diz que trata bem do setor que não gosta dele por causa de ideologia. Pode ser.
O terceiro mandato do presidente ocorre em ambiente diferente daquele em que ele viveu na sua primeira experiência no Palácio do Planalto. Lula, aliás, é um dos raríssimos constituintes que ainda está na ativa. É difícil compreender o mundo de hoje com os olhos do passado. Miguel Arraes me disse, anos atrás, que era contra a globalização. Morreu desgostoso porque o processo avançou muito. O admirável mundo novo demora a chegar ao Brasil. Mas chega.
ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
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