As ações afirmativas são um conjunto de políticas públicas desenvolvidas por governos, que podem ser também aplicadas pela iniciativa privada com o objetivo de reverter as desigualdades na sociedade para proteger determinados grupos e minorias políticas que tiveram historicamente seus direitos negados. Um dos mais significativos exemplos, a Lei Federal n.º 12.711, de 2012, a Lei de Cotas, completou no ano passado uma década.
Essa lei é um marco legal que determina que as instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação, instituições federais de ensino técnico em nível superior e instituições de ensino técnico em nível médio reservem, no mínimo, 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Em cada categoria de renda, em acordo com essa legislação, há vagas reservadas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
No artigo 7º, está prevista uma revisão da legislação passados 10 anos da sua implementação. Entretanto, esse processo de revisão não determina seu encerramento — todavia pode e deve estabelecer novos critérios da sua aplicação. É justamente isso que estamos buscando elaborar por meio de intenso diálogo com lideranças políticas, intelectualidade, diversidade dos movimentos negro e estudantil, e demais movimentos sociais.
O movimento negro brasileiro tem um papel estratégico ao fazer pressão pelo reconhecimento do racismo por parte do Estado e ao exigir reparação. Isso se dá também através de políticas de acesso e inclusão de afrodescendentes e pessoas pobres nos bancos universitários brasileiros, instrumento importante para o combate ao racismo estrutural da nossa sociedade.
Ao aceitar o importante desafio de continuar o trabalho de relatoria da revisão da lei de cotas, me deparei com um estudo da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros que aponta um número de 67 proposições que, direta ou indiretamente, buscam alterar a lei no Congresso Nacional. Mais de 30 dessas proposições objetivam extinguir ou reduzir o critério de afirmação étnico-racial das reservas de vagas, ou seja, acabar com a cota para negros e negras. Isso aponta a resistência de setores atrasados frente às conquistas já obtidas.
Observei também distorções que precisam ser sanadas, como a garantia de que as vagas reservadas para afrodescendentes não sejam assumidas por fraudadores. Para tanto apresentamos a institucionalização das bancas de heteroidentificação como etapa de aplicação da reserva de vagas. Nosso objetivo é criar critérios que padronizem a seleção sem que isso fira a autonomia universitária.
Nosso desejo também é reparar os parâmetros que impedem os candidatos cotistas de disputarem as vagas na modalidade ampla concorrência. O objetivo é alterar a condição de teto das vagas reservadas e dar-lhes um caráter de piso, potencializando assim a entrada de um número maior de estudantes pretos e pardos. Isso garante que os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas da ampla concorrência não serão somados às vagas reservadas aos cotistas.
Outra dimensão fundamental no processo da garantia da permanência dos estudantes cotistas nas universidades é a inclusão, no texto do relatório, da prioridade dos estudantes cotistas no acesso aos recursos do Plano Nacional de Assistência Estudantil e do programa de bolsa permanência. Garantir permanência de estudantes cotistas é promover justiça social, igualdade e equidade, além de fortalecer a política de ações afirmativas e otimizar seus resultados.
A adoção da política de cotas é uma das maiores conquistas da sociedade brasileira desde a redemocratização — resultado de décadas de discussão, mobilização, suor e sangue do povo preto e pobre em nosso país. Em uma sociedade de privilégios, aperfeiçoar a lei de cotas significa democratizar a fundo a educação superior em nosso país.
Nossa luta é por uma educação libertadora, que inclua todos sem distinção e permita que o Brasil avance como uma democracia madura e uma sociedade igualitária. Parafraseando o filósofo István Mészáros, afirmo que educar não é uma mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida, por isso defendemos as cotas raciais.
DANDARA TONANTZIN, deputada federal e relatora da revisão da lei de cotas na Câmara dos Deputados