Boate Kiss

Artigo: Justiça, as vidas importam

Passada uma década do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ainda estão impunes os responsáveis pela tragédia, identificados pelo inquérito policial

Passada uma década do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ainda estão impunes os responsáveis pela tragédia, identificados pelo inquérito policial. Em outubro de 2022, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu os argumentos da defesa e anulou a decisão do júri, que havia condenado o músico Marcelo Santos, os sócios proprietários da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Lodeiro Hoffmann, e o produtor musical da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão, que comprou os fogos de artifício. Hoje, o Superior Tribunal de Justiça julga o recurso contra a anulação da decisão do júri, que condenou os indiciados. A previsão é de que os pais das vítimas e sobreviventes estejam no plenário do STJ.

O incêndio foi provocado pelo lançamento de fogo de artifício dentro da boate. Morreram 242 pessoas e mais de 600 ficaram feridas em 27 de janeiro de 2013. O estabelecimento era desprovido de ventilação, saídas de emergência e os extintores de incêndios estavam com a validade vencida, segundo a perícia. Todos esses fatores impossibilitaram a fuga das pessoas. Pior: muitas foram impedidas de sair, por ordem dos proprietários temerosos de que os clientes não pagassem a conta. De acordo com os peritos, a maioria das vítimas foi a óbito sufocada por fumaça tóxica. Entre os sobreviventes, a grande parte teve lesões e guardam um trauma profundo.

As famílias esperam que hoje o STJ anule a decisão que garante impunidade dos réus. Revela-se descabida a não punição dos responsáveis por uma tragédia de tamanha dimensão, que consternou os gaúchos e reverberou em todo o país. A sociedade se solidarizou com os pais que perderam seus filhos muito jovens. Sonhos, planos e o futuro deles foram calcinados pela evidente irresponsabilidade tanto dos empresários quanto dos músicos, em ambiente superlotado. Parece óbvio que os acusados não gostariam que o show da banda Gurizada Fandangueira tivesse um desfecho trágico. Mas foram negligentes. O espaço não tinha capacidade para tantas pessoas. Há de se supor que a oportunidade de lucrar, e muito, falou mais alto.

Mas quem de nós ficaria conformado em perder um filho, uma filha, ou vê-los mutilados, com sequelas insuperáveis? Nenhum de nós. Assim, como os pais e familiares das vítimas, a maioria de nós se revoltaria se a impunidade prevalecesse. Que as punições motivem reflexões e mais responsabilidade daqueles que são do ramo do entretenimento ou de qualquer outro negócio. Não se pode lucrar expondo a risco previsível e letal a integridade das pessoas. O contrário é se somar aos brutos, para quais as vidas alheias não importam.

 


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