A filosofia é um dos mais ricos campos de conhecimento. Uma das suas áreas de pesquisa avalia os efeitos que algumas teorias provocam nos seres humanos ao serem seguidas por um grande número de pessoas. Estudada por Edmund Husserl, a fenomenologia mostra como isso ocorre, de forma clara, no setor elétrico. Essa metodologia estuda como as coisas surgem e se manifestam, mas não explica o fenômeno em si.
A cadeia de eventos que levou à necessidade de modernização do setor elétrico é simples. Primeiro, foi identificado o aquecimento do planeta e a necessidade de conter essa tendência. Segundo, as grandes potências estabeleceram a meta de eliminar as emissões de carbono até 2050. No terceiro ato, países começaram a adotar medidas em prol da descarbonização. E, por fim, o Brasil passou a integrar esse elo mundial. Essa é a versão conhecida da história.
Convido o leitor a acompanhar alguns equívocos que os seguidores da cadeia de Husserl podem chegar. No setor elétrico, é fundamental verificar as diferenças nos sistemas de cada país e quanto contribuem para as emissões de CO2. A maioria dos países partiu de uma matriz elétrica com 70% das usinas movidas a combustíveis fósseis; e 30% (quando muito), de renováveis. Após investimentos em modernização, alguns países elevaram suas capacidades verdes para 50% a 60%; e têm como meta chegar a 95% ou 100% em 2050.
Muitas das nações que correram para realizar a transformação dos seus sistemas elétricos estão pagando um preço elevado. Seus consumidores estão sofrendo com maior incidência de blecautes e alta de preços, por exemplo. É o caso dos Estados Unidos. Em 24 de abril deste ano, o Wall Street Journal revelou que a rede de energia dos EUA estava ficando menos confiável. O número de interrupções de grande porte passou de 24, em 2000, para 180, em 2020.
A partir de 2013, o governo passou a monitorar a extensão média dos desligamentos. Em 2013, consumidor ficou sem energia por, em média, quatro horas; e em 2020, por oito horas. O crescimento desses fenômenos mostra que a segurança está se degenerando, bem como a resiliência está sendo bastante afetada, indicando que os meios para recomposição são insuficientes.
E, assim, de elo em elo da cadeia de Husserl, chegamos ao Brasil. Devido à forte presença de hidrelétricas, nossa matriz é muito diferente da matriz da maior parte do mundo. Reparem neste dado: em 2023, já atingimos 95% de geração a partir de fontes renováveis. O percentual mostra que, inexoravelmente, o Brasil já entregou sua transição energética no sistema elétrico, mesmo tendo que torcer para termos bons regimes de chuvas, além de vento e sol. Essa torcida, aliás, ocorrerá em todos os sistemas com alto nível de renováveis.
E o que nos falta? Temos que continuar cuidando para manter a confiabilidade do sistema. Estarmos prontos para garantir o abastecimento quando chuvas, vento e sol não forem suficientes. Além disso, assegurar a resiliência e a segurança, garantindo que fenômenos como apagões e blecautes não ocorram.
E aqui chegamos ao ponto. O Brasil entrou na cadeia de Husserl sem considerar suas especificidades. Repito: já em 2023, atingimos a meta que países sonham alcançar em 2050. Seguir nessa corrida — sem olhar para os lados — pode expor, ainda que involuntariamente, nosso consumidor a riscos desnecessários.
É por essas razões que insistimos em defender uma transição energética sempre baseada em três pilares: menor emissão, máxima segurança e custos mínimos. Nesse desenho, as termelétricas existentes seriam mantidas e a expansão das fontes renováveis seria feita acompanhada com pequenas acréscimos de térmicas de suporte.
Diante da importância das termelétricas para a segurança do sistema, é fundamental que essas unidades se transformem em usinas verdes. Estejam preparadas para, gradativamente, utilizar uma combinação de hidrogênio e gás natural até chegar a 100% de combustível renovável, ou adotem tecnologias de captura de carbono ou de biogás, entre outras soluções. O setor elétrico brasileiro é responsável por menos de 2% das emissões do país.
Embora a moda seja realizar transformações radicais, temos convicção de que os especialistas e os formuladores de políticas devem deixar o elo do fenômeno comum da modernização com segurança dúbia e a qualquer preço, e ingressar no elo da modernização com segurança. O Brasil precisa entender que, além de menores impactos ao meio ambiente, precisamos e devemos entregar ao consumidor confiabilidade e custos baixos.