EDITORIAL

Visão do Correio: Reforma tributária não pode fracassar

"O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e injusto. Corrigir as distorções deve ser prioridade máxima, não apenas do Legislativo"

O Congresso não pode mais adiar a análise e a votação da reforma tributária. Diante das transformações pelas quais o mundo vem passando, seja no mercado de trabalho, cada vez mais digitalizado, seja na questão demográfica, devido ao rápido envelhecimento da população, os governos terão de correr contra o tempo para ajustar a arrecadação de impostos às novas demandas por gastos. O Brasil, mesmo ainda tendo uma população majoritariamente mais jovem que a média dos países desenvolvidos, já se defronta com tal realidade e numa situação pior, pois não enriqueceu o suficiente para garantir, por exemplo, boas pensões aos trabalhadores e um sistema de saúde mais inclusivo.

O sistema tributário brasileiro é extremamente complexo e injusto. Corrigir as distorções deve ser prioridade máxima, não apenas do Legislativo. O governo também precisa entrar em campo para convencer os parlamentares de que, depois de 30 anos de discussões, o país não tem outra alternativa para ampliar o potencial de crescimento da economia. Da forma como os impostos estão estruturados hoje, o Brasil está condenado a crescer pouco, ampliando o fosso que separa ricos e pobres. Sem uma atividade forte e um ambiente de negócios favorável aos investimentos produtivos, não há como se pensar em saltos expressivos do Produto Interno Bruto (PIB). Um dos caminhos para consolidar esse cenário benigno é a indústria.

Historicamente, são as fábricas as mais punidas pela injusta tributação brasileira. Não à toa, a indústria vem perdendo, ano a ano, participação no PIB. O setor é responsável pelos empregos de melhor qualidade e pelos salários mais altos. Contudo, sem competitividade e amarrada por impostos em cascata, não consegue dar o salto de produtividade que a economia atual exige. Não se está pedindo privilégios, até porque não há mais espaço para isso no Orçamento da União. O que está em jogo é a importância de se corrigir erros sucessivos cometidos ao longo de décadas para financiar uma máquina estatal ineficiente e cara.

O quadro no Brasil é mais alarmante em relação ao mundo desenvolvido, porque o país ainda está debatendo que imposto será incorporado ao outro, se terá alíquota única ou diferenciada. Na Europa, por exemplo, as discussões são no sentido de buscar fontes adicionais de financiamento para o Estado, levando-se em conta a nova economia, com sua digitalização e a inevitável transição energética. Os europeus têm a exata noção de que a tributação sobre a renda já está no limite. Portanto, o desafio é descobrir de onde podem vir recursos extras para manter as conquistas sociais obtidas após a Segunda Guerra Mundial.

O Brasil corre o risco de perder mais uma oportunidade de tirar os dois pés do atraso com a reforma tributária. A postura fisiológica do Congresso tem se escancarado votação após votação. Mantido esse comportamento arcaico, as chances de ao menos uma parte do ajuste dos impostos sair do papel ficarão cada vez menores. O certo é que todos perderão, sobretudo os mais pobres, que, proporcionalmente, pagam mais tributos. Apenas essa informação já seria motivo de sobra para que governo e legisladores agissem em benefício do país.

Ante a premência da reforma tributária ameaçada, a sociedade terá papel crucial no sentido de pressionar Legislativo e Executivo a levarem adiante as propostas que estão mais do que maduras entre deputados, senadores, governadores e prefeitos. Defender interesses setoriais só pune a maioria. O ansiado ajuste na estrutura dos impostos resultará em ganhos ao logo do tempo para todos. Esse deve ser o pensamento, não o do fisiologismo e o daqueles que tentam incutir o falso dilema de que os preços vão subir com a reforma. O Brasil já tributa excessivamente o consumo. Agora, é hora de avançar sobre a renda dos mais ricos, começando pela cobrança de impostos sobre lucros e dividendos. Isso é justiça social.


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