NULL
DESPEDIDA

Artigo: Alysson Paolinelli, o adeus e o legado

Aliando educação, ciência, gestão e respeito ao meio ambiente, Paolinelli comandou uma equipe que plantou nova história da agropecuária

pri-3005-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
pri-3005-opiniao Opinião - (crédito: Caio Gomez)
Silvestre Gorgulho
postado em 30/06/2023 06:00 / atualizado em 30/06/2023 06:36

O Brasil está mais triste com a despedida do ex-ministro Alysson Paolinelli (10/7/1936 —29/6/2023). A 11 dias de completar 87 anos, o ex-ministro da Agricultura parte deixando um legado de sonhos e de conquistas na área da educação e da agropecuária brasileira. Ex-aluno, professor e diretor da Escola Superior de Agricultura de Lavras (Esal), hoje Universidade Federal de Lavras, Alysson Paolinelli foi por três vezes secretário da Agricultura de Minas (governos Rondon Pacheco, Hélio Garcia e Eduardo Azeredo), comandou o Ministério da Agricultura no governo Geisel (1974-1981) e ainda participou da Constituinte como deputado federal por Minas Gerais.

Aliando educação, ciência, gestão e respeito ao meio ambiente, Paolinelli comandou uma equipe que plantou nova história da agropecuária em terras tropicais. O Brasil colheu a liderança mundial nas tecnologias de produção de alimentos da agricultura e da pecuária. Nasceu o agronegócio para valer. Competitivo e transformador.

O segredo? Aparelhou o Brasil para deixar a mentalidade de colônia e resolver seus problemas com as próprias mãos. Além das culturas tropicais tradicionais, tipo cana-de-açúcar, café e cacau, a partir de 1974 o Brasil entrou, com cara e coragem, na produção de alimentos então ligados às áreas de clima temperado do planeta: conseguiu o milagre de, em solo tropical, produzir trigo, milho, soja, frutas, hortaliças, gado de corte e de leite.

O milagre da transformação foi um investimento pesado em ciência, tecnologia, inovação, formação de recursos humanos e conhecimento. Assim, aos poucos, o país virou líder mundial nas tecnologias de produção de alimentos nos trópicos, que hoje salva os países situados nas regiões equatoriais do planeta — quase sempre os mais pobres.

Por que a gestão Alysson Paolinelli foi um divisor de águas? Primeiro, porque colocou as pessoas certas nos lugares certos e deu a elas condições de trabalho. Depois, após o fortalecimento do sistema de pesquisa agropecuária e crédito, incentivou a iniciativa privada a ocupar o espaço empreendedor. Enfim, o Brasil entendeu que, diferente do setor industrial e de serviços, o trabalho com a terra (produção de alimentos) tem características distintas de um lugar para outro. Não adianta trazer vaca holandesa sem adaptações que carrapato mata. Semente de trigo tem que ser adaptada e melhorada.

Fabricar um produto industrial é relativamente fácil. Paga-se royalties e faz igual. Ou, importa-se um carro, coloca-se uma equipe de engenheiros especializados, desmonta-o e reproduz cada peça. Na agricultura é diferente. Uma coisa é fazer agricultura em países de clima temperado, com terras férteis, onde a neve elimina a maioria das pragas e, ainda, irriga o solo no degelo. Outra coisa é fazer agricultura em terras tropicais. O solo precisa ser corrigido, as sementes adaptadas, há de fazer fixação de nitrogênio no solo, controle biológico de pragas, adaptar condições de plantio e de colheita. Não há como copiar.

O cientista Norman Borlaug, Prêmio Nobel da Paz-1970, fortaleceu a paz no mundo ao desenvolver pesquisas para produzir cereais em quantidade, qualidade e preços compatíveis. Com fome não há paz. Mas suas pesquisas foram em clima temperado do planeta. Paolinelli fez o mesmo na área tropical. Como Borlaug, Alysson Paolinelli não era filósofo, nem líder comunitário e muito menos ativista. Era um brasileiro que acreditava na ciência e lutava para melhorar a produtividade.

Em 1979, ao visitar a Embrapa Cerrado, em Planaltina-DF, o próprio Norman Borlaug declarou: "O Brasil dá uma lição ao mundo ao fazer uma Revolução Verde Tropical, transformando as terras do cerrado em polo de produção agropecuária. A conquista de uma tecnologia tropical é exemplar que salva o Brasil e salvará a África".

Na mesma trilha de Borlaug, Paolinelli foi por duas vezes indicado oficialmente ao Prêmio Nobel da Paz por "ter provocado uma revolução verde ao desenvolver tecnologias agrícolas nas áreas tropicais e fazer do cerrado grande produtor de alimentos, o caminho salvador para os países pobres que estão nas savanas africanas". Aqui e lá, as novas tecnologias conseguem domesticar áreas inóspitas e fazer delas celeiro de alimento para seu povo.

No adeus a Alysson Paolinelli, um momento de agradecimento e de louvor à capacidade de ainda ter brasileiros que pensam grande e dão provas de amor à pátria. Bem lembra o economista-agrônomo Eliseu Roberto de Andrade Alves, um dos fundadores da Embrapa: "Alysson Paolinelli foi um gigante na implantação dos projetos concebidos pelo grupo que pensou a Embrapa. Paolinelli foi gigante em levar o Brasil a fazer uma revolução verde tropical. E foi gigante ao deixar sua mensagem de fé, provando que o país que não investe em ciência condena seu povo a sobreviver com o suor de seu rosto".

A revolução verde tropical brasileira salvou o mundo da fome. Com fome, não há paz. Alysson Paolinelli, obrigado. Descanse em paz.


SILVESTRE GORGULHO, jornalista, foi secretário de Cultura de Brasília

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->