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MUNDO

Artigo: Surge um líder... e agora?

Lula está preenchendo a vaga de líder mundial, ele tem a formação política, sensibilidade social e carisma

opini2706 -  (crédito: kleber sales)
opini2706 - (crédito: kleber sales)
» Cristovam Buarque Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
postado em 27/06/2023 06:00

Ao optar por identificar-se com os presidentes dos países ricos, o presidente Fernando Henrique Cardoso perdeu a chance de ser um líder dos países pobres. Esse lugar estava vago desde a queda do socialismo e do esgotamento do desenvolvimentismo, com a crise ecológica, a permanência da pobreza, o acirramento da desigualdade, a migração em massa e o desemprego estrutural. E também com a globalização, porque os líderes continuavam na defesa dos interesses de seus países, não da humanidade e do planeta.

Fernando Henrique não percebeu que o mundo virou imenso Terceiro Mundo, cada país cortado por uma "cortina de ouro", separando pobres e ricos, em um apartheid global, todos em marcha à catástrofe ecológica. Com a pobreza da África e a riqueza da Europa dentro do nosso território, o Brasil é retrato desse Terceiro Mundo Global. FHC preferiu imaginar que chegaríamos a ser parte do Primeiro Mundo, no lugar de liderar a reorientação do terceiro mundo global.

Lula está preenchendo a vaga de líder mundial. Desde seus governos anteriores e neste início do mandato atual, sobretudo com os discursos em Sharm el Sheikh e, em Paris, na semana passada. Ele tem a formação política, sensibilidade social e carisma. Conta com o apoio do nosso competente corpo diplomático, para consolidar seu papel de líder mundial ao encampar quatro causas planetárias fundamentais deste momento: meio ambiente, pobreza, desigualdade e migração.

Diferentemente dos antigos líderes mundiais dos pobres, Lula não tem as amarras do passado. Não é nostálgico do socialismo nem fica limitado por visão nacionalista. Entende os novos tempos globais, e defende as novas classes espoliadas: gerações futuras, ameaçadas pela crise ecológica; os pobres, os náufragos e refugiados e os jovens, inclusive, dos países ricos. Fala em nome do Brasil, um dos 10 maiores países em território, em população e em renda. Lula se tornou o porta-voz dos bilhões de descontentes com o presente, e em busca de um novo rumo para o futuro. Líder do mundo global, em um novo tempo, com uma nova esquerda pós-socialismo e pós-nacionalismo. Para surpresa da esquerda tradicional, defende o livre comércio e iguala a luta social à luta ecológica.

Antes, o mundo era a soma dos países, agora, cada país é um pedaço do mundo. Os líderes anteriores falavam para cada país, Lula propõe que o conjunto do mundo se reoriente para um desenvolvimento sustentável, sem pobreza, com distribuição de renda, sem náufragos, nem guetos para refugiados. Esta é sua força.

Mas, e agora? Em setembro deste ano, Lula tem condições de consolidar sua liderança, no discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas. Será a oportunidade para ir além do discurso crítico, apresentar propostas para o futuro e mostrar que o Brasil é capaz de executar estratégia e ser exemplo de um novo desenvolvimento sustentável e inclusivo. Deverá dar o exemplo interno de que suas propostas para o mundo funcionam no Brasil.

Nas Nações Unidas, Lula pode propor um programa Bolsa Família Mundial vinculado à educação que supere a pobreza, reduza a concentração de renda, evite a necessidade de migração e proteja os refugiados. Precisa indicar qual é nossa estratégia para que em um futuro próximo nenhum brasileiro saudável necessite de bolsas e auxílios para sobreviver. Iniciar a execução de um sistema escolar nacional com máxima qualidade igual para todos, independentemente da renda e do endereço. Mostrar como o Brasil está erradicando o analfabetismo que tortura 10 milhões de adultos. Sinalizar que além de proteger florestas, tem plano e metas para o uso sustentável dos recursos naturais, realizando um desenvolvimento que aumente e distribua a renda nacional, sem degradar a natureza sob nossa responsabilidade, mas que reconhecemos pertencer à humanidade inteira. Defender o direito universal a vacinas, como já praticamos. Precisa mostrar que nossa democracia é sólida, com diálogo entre todas as tendências políticas, e sem as corrupções, no comportamento dos políticos, nas prioridades das políticas, nem na desvalorização da moeda. Conclamar os presidentes de todos os países a construirmos um mundo melhor e mais belo para todos.

Lembrando que não há líder mundial sem sucesso local. O mundo espera que não desperdicemos o momento: que Lula e Brasil apontem o rumo e mostremos como estamos fazendo internamente para construir desenvolvimento sustentável, justo, democrático e pacífico para o futuro.

 


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