Nada mais identitário do que a exclusão e o apagamento de pessoas negras por medo de perder seus privilégios. Assistimos, na última segunda-feira, à performance do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para confirmar os nomes (que já estavam pré-escolhidos) para compor a lista sêxtupla que será encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça para escolha do substituto do ministro Félix Fischer na vaga destinada ao quinto constitucional.
Abro um parêntese para explicar que o quinto constitucional, como o próprio nome sugere, está previsto na Constituição Federal, que determina que 1/5 das vagas dos tribunais brasileiros seja destinado a representantes das carreiras do Ministério Público e 1/5 aos representantes da advocacia:
"Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público com mais de 10 anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos 20 dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação".
Não entrarei, neste breve espaço, na discussão sobre as falhas democráticas existentes no processo de escolha regido pelo Provimento 102/2004, decorrentes do próprio deficit democrático do sistema eleitoral da OAB, que favorece a baixa representatividade, abuso de poder econômico, existência de grupos hegemônicos, impedindo alternância de poder ao operar com escolha indireta de seus representantes máximos.
Entretanto, a consideração é importante para apontar que esse sistema é o responsável pela indicação das listas sêxtuplas que definirão a composição dos principais Tribunais de Justiça do país. A falta de transparência de contas e informações deixa a grande massa da advocacia alienada aos processos e ao tamanho do poder conferido às diretorias seccionais e federal não só na formação das listas.
Voltando à escolha feita na última segunda, importante registrar que existiam 34 candidatos inscritos no processo, sendo 29 homens e cinco mulheres. Uma única mulher negra, Núbia Bragança, sustentou candidatura corajosa e representou uma advocacia que é, em sua maioria, feminina e negra (constatação baseada em dados estatísticos coletados por meio de autodeclaração nos cursos superiores e exames, considerando a inexistência de censo da advocacia brasileira, apesar da demanda recorrente às sucessivas diretorias do Conselho Federal).
De acordo com o perfil dos candidatos inscritos, a lista reunia todas as condições para uma composição paritária, com a presença da única pessoa negra na disputa. Não obstante, e apesar dos oito votos recebidos, incluindo a unanimidade da bancada de São Paulo — maior colégio da advocacia do Brasil —, a única mulher negra ficou fora da lista, demonstrando que a Ordem dos Advogados do Brasil, autarquia pública sui generis, com a função precípua de defender a sociedade e o Estado Democrático de Direito, com história marcada pela luta no processo de redemocratização do país e pelos direitos humanos, tem dificuldade de implementar o discurso oficial interna corporis.
O histórico político da instituição é caracterizado pela baixa participação de mulheres e negros. O Conselho Federal nunca foi presidido por uma mulher e das 27 seccionais da OAB nos estados da Federação, apenas nove já foram presididas por mulheres (de acordo com o site do CFOAB - PI, RS, MS, AP, MT, PA, DF, SP e BA).
A sub-representatividade das mulheres e pessoas negras na política e espaços de poder da OAB é um fato corroborado pelos números e pela ausência de atenção às demandas e necessidades desses grupos. Verificamos diversas dificuldades na participação, além do processo de sujeição como condição para a ocupação dos espaços de poder, com a permanência no que chamamos de espaços de confinamento (comissões temáticas específicas — igualdade racial, mulher e direitos humanos — e cargos de poder limitado, geralmente associados à divisão sexual e racial do trabalho e das pautas), apesar das cotas de gênero aprovadas em 2014 e das cotas de raça aprovadas em 2021, que não se aplicam aos cargos de diretoria e sempre são tratados como gorjeta ou teto, nunca como condição mínima de representatividade.
E com a lista sêxtupla não foi diferente. Cinco homens e uma mulher, todos brancos, exatamente como a instituição se apresenta: patriarcal, machista e classista, com um mínimo de mulheres a serviço da manutenção do status quo, excluindo outras mulheres, especialmente a mulher negra, apontadas como "concorrentes". Nada mais identitário. Meus privilégios, minha vida.
Ilka Teodoro - Advogada, é ex-administradora do Plano Piloto
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br