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Análise

Artigo: O bem viver como sinônimo de bem envelhecer

Apenas nos primeiros cinco meses de 2023, o Disque 100, por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, registrou mais de 56 mil denúncias. Isso inclui mais de 316 mil violações de direitos humanos.

opini1506 -  (crédito: kleber sales)
opini1506 - (crédito: kleber sales)
ALEXANDRE DA SILVA
postado em 15/06/2023 06:00 / atualizado em 14/06/2023 06:00

Um jovem está sendo violentamente atacado por outros dois homens. Esse jovem está no quintal de casa, junto a familiares, incluindo uma de suas avós de, aparentemente, setenta e alguns anos. Ela, vestida com uma saia, blusa e lenço no cabelo, não hesita em defender o neto ali, brutalmente agredido na sua frente. Para espanto de quem gravava a cena para ter prova em futuras ações judiciais, gravou-se também o soco que essa senhora levou. Quem fez isso foi um policial.

Por meio do telefone novo que ganhou de uma das netas, aquela senhora de 74 anos instala o aplicativo que permite falar com todo mundo da família. Tem o grupo do bom-dia, o grupo da oração, grupo da caminhada e até o grupo de excursão, que sempre adia a viagem porque ora alguém está sem dinheiro, ora ficou internada e grupo que é grupo não deixa ninguém para trás. Na última ligação, parte do sonho dessa senhora foi embora para não mais voltar. Era a ligação que anunciava uma compra muito vantajosa, que se mistura com uma promessa de um empréstimo para não perder aquela oportunidade única que, se não a deixasse rica dessa vez, pelo menos garantiria o sonho da casa própria e o fim das décadas dos aluguéis. Engano total. Era mais um golpe que virou rotina na vida de muitas pessoas idosas e que afeta, principalmente, aquelas com baixa escolaridade e pouco conhecimento das maldades cibernéticas atuais.

Um idoso vai sozinho a um serviço de saúde, já bem à noite, para buscar a assistência de que precisava. Nota-se a fala controlada, não alterada ou alta. Ele parece não obter a resposta de que necessita. O serviço de saúde está cheio e uma adolescente grava algo que, feito uma vidente, já premeditava. Dois seguranças se aproximam desse senhor mais velho, um cidadão como qualquer outro (ou deveria ser). Falam bem pouco com esse senhor, o mau atendimento é constante e, sem me alongar nesse parágrafo cujo final já é de esperar, um golpe violento é também disparado contra essa pessoa que, necessitando de ajuda, recebeu desprezo e brutalidade de uma sociedade que, diariamente, machuca ou mata milhares de pessoas idosas.

Se uma dessas pessoas citadas acima deixar de se cuidar, parar de querer viver, é bem possível que muitas pessoas acreditem que tudo bem, pessoas idosas vão deixando de querer viver, estão mais próximas da finitude, e que já não têm mais nada a aprender. Deixar de se cuidar ou querer adiantar a hora da partida são consequências das violências sofridas, frequentemente, por boa parte das pessoas idosas no Brasil e no mundo.

É por isso que o dia 15 de junho, internacionalmente, é um dia alusivo à conscientização contra a violência à pessoa idosa. Todas as formas de violência. Desde um apelido de que não gosta, mas também das negligências, abusos físicos, psicológicos, sexuais, patrimoniais e outras. Apenas nos primeiros cinco meses de 2023, o Disque 100, por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, registrou mais de 56 mil denúncias. Isso inclui mais de 316 mil violações de direitos humanos.

Este ano, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, lança as primeiras ações para o enfrentamento a essa injusta forma de violação de direitos e ao impedimento do exercício pleno da cidadania que pode acometer milhares dos 32 milhões de pessoas idosas residentes no Brasil. Importante ressaltar que, em outubro, o Estatuto da Pessoa Idosa completará 20 anos. Esse importante instrumento pode ser considerado um marco por regular direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Mas, para que alcance a plena efetividade, é preciso que o poder público, a sociedade civil organizada e cada cidadão e cidadã se unam em um esforço conjunto.

Por isso, é fundamental que você esteja conosco, seja compartilhando informações e ajudando na conscientização desse mal, seja revendo suas atitudes diante das pessoas idosas que convivem diariamente com você, seja nos ajudando na detecção de cenas de violência (lembre-se do Disque 100) e, principalmente, atuando na prevenção de possíveis violências contra qualquer pessoa idosa que você conheça. Participe da construção de ambientes seguros que permitam o bem envelhecer dessas pessoas e o seu também. Afinal, o direito ao bem viver deveria ser sinônimo do bem envelhecer, sem violência de qualquer tipo, o que é um direito de todos.

 ALEXANDRE DA SILVA, professor, doutor em saúde pública, especialista em gerontologia, fisioterapeuta, é secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

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