O papel da educação na inclusão dos jovens no mercado de trabalho é tema de debate há anos nos mais variados fóruns de discussão sobre o futuro do país. No entanto, tem sido de pouca utilidade prática por vários motivos, entre os quais se destaca a falta de reconhecimento da realidade brasileira.
Ouvem-se propostas sobre o tema que tomam como exemplo o que é feito em países como Alemanha, Reino Unido, Áustria. Partindo desses modelos, não surpreende que os resultados do debate tenham sido infrutíferos. É evidente que exemplos de outros países devem sempre ser estudados e sejam tidos como lições importantes dessas estratégias. No entanto, não faz sentido tomá-los como base, uma vez que o Brasil convive com uma realidade diária totalmente diferente.
Não deveria ser esquecido, por exemplo, que a grande massa de jovens brasileiros precisa trabalhar e tomo como exemplo prático uma recente pesquisa do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE, apresentada em maio deste ano. O levantamento, que ouviu mais de 10 mil estagiários de todo o país, apontou que 69% ajudam no sustento da família e 11% são os únicos responsáveis pelas despesas de casa.
Para apenas 4% dos estudantes ouvidos o valor é fundamentalmente investido em cursos extracurriculares. Enquanto na grande maioria dos casos esse recurso é de suma importância para pagar a conta de luz e compra de alimentos.
Ignorar esse cenário exaustivamente comprovado é condenar ao fracasso as propostas de melhorias na educação. O ponto de partida deveria ser: a educação precisa abraçar o trabalho. E como fazê-lo? Adotando um sistema em que o jovem do ensino médio estude no contraturno e esse período de trabalho valeria como currículo escolar. Dessa forma, ele continuaria a ajudar a família e seria mais uma alternativa para lidar com a crescente evasão escolar, pois, nesse modelo, o estudante perderia o emprego em caso de abandono dos estudos.
Seria um ponto de partida importante para acabar com o atual descolamento entre o dia a dia dos jovens e aquilo que é teorizado em torno da educação. Vale destacar que o trabalho dos teóricos também é válido. Entretanto, não pode ter base em uma realidade que está distante da brasileira e das mazelas enfrentadas por jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Tenhamos como exemplo o caso do excesso de itinerários que têm sido propostos por muitos e que são muitas vezes incorporados a políticas públicas. As escolas, na maioria dos casos, não têm condição alguma de cumprir tais sugestões. Em um exercício de empatia, vamos imaginar a realidade dos profissionais que trabalham em escolas pequenas da rede pública, em regiões afastadas dos grandes centros urbanos e com orçamento calculado. Como defender, para esses profissionais, sem o básico de infraestrutura, que agora será necessário prover cinco opções de cursos extracurriculares. Quem conhece a realidade sabe que as escolas não têm a mínima condição de adotar modelos como esse.
Há ainda estigmas que precisam ser superados. É o caso da matemática, à qual muitos estudantes alegam ter alergia. Essa resistência leva alguns a defenderem que a matéria seja ensinada para poucos e que não deve ser obrigatória aos que têm matematicafobia. É um erro crasso. Atualmente, a maioria dos empregos com alta demanda, no mundo do trabalho, exige que se saiba matemática, que está diretamente ligada à tecnologia. Um médico, por exemplo, trabalha com equipamentos de tecnologia avançada e precisa saber fundamentos matemáticos para utilizar de maneira adequada essas máquinas.
Por fim, é necessário que as pessoas que falam e estudam a educação conheçam o Brasil real. Falta um choque de realidade para que as propostas se transformem em medidas efetivas para a melhoria da educação. Sem isso, o país estará condenado a infindáveis debates sem resultados práticos sobre um tema de tamanha importância.
Humberto Casa Grande - CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)
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