Resiliência, força, sabedoria, fé, superação, coragem. São tantas as palavras para descrever a história de quatro irmãos, de 1, 5, 9 e 13 anos, que sobreviveram a um acidente aéreo, viram a mãe agonizando dentro do avião e se perderam na selva amazônica colombiana por 40 dias. Imagine passar seis semanas em uma região totalmente selvagem, onde é possível encontrar serpentes venenosas, escorpiões, aranhas, onças pintadas e gatos do mato. Precisar enfrentar chuvas torrenciais com descargas elétricas frequentes. E o pior: sem ter nenhuma certeza de que conseguirá se manter vivo por muito tempo até ter a sorte de ser encontrado.
O resgate de Lesly, Soleiny, Tien e Cristin guarda muitas camadas de lições para a humanidade. Por serem indígenas, a mesma selva que seria um ambiente totalmente hostil para nós, da cidade, os alimentou com ovos de tracajá, farinha de mandioca, maracá (fruto similar ao cacau) e de pepas de monte (tipo de semente).
Foi graças ao conhecimento ancestral transmitido pelos abuelitos, os anciãos de seu povo huitoto, que Lesly garantiu a sobrevivência sua e dos três irmãos menores. O resgate das crianças também somente foi possível por esse mesmo conhecimento. Seis indígenas alcançaram primeiro os meninos, na tarde de sexta-feira. Para fazê-lo, Luis Acosta — coordenador nacional da Guarda Indígena da Colômbia — contou ao Correio que eles pediram à natureza permissão para entrar na mata e usaram yagé (ou ayahuasca, bebida enteógena feita com o cipó mariri e a folha da planta chacrona) para "enxergar melhor" e abrir a mata. Ambiente que conhecem bem. Como recorrer aos alimentos sem risco de envenenamento. Como se deslocar pela selva sem se desorientar. Sabedoria milenar.
Nos últimos dias, entrevistamos o pai, a avó, o tio-avô e o tio materno das crianças. Chamou-me a atenção o fato de que todos usaram a palavra "milagre". A história, por si incrível, ganha mais um elemento de suspense: Wilson. O cão farejador da raça pastor-belga-malinois encontrou pistas deixadas pelas quatro crianças, entre elas uma tesoura, e desapareceu. Um dos meninos relatou aos médicos que Wilson passou três dias ao lado deles. No último dia 6, o cachorro foi visto a apenas 5m do guia canino Juan Sebastián Sora, membro da equipe de resgate. Depois, não mais foi visto. A busca por Wilson virou questão de honra.
Por trás de toda a carga dramática — a perda da mãe, Magdalena, no acidente com o monomotor; a sobrevivência por 40 dias na floresta e o reencontro com familiares —, o destino de Lesly, Soleiny, Tien e Crstin provavelmente ficará a cargo da Justiça colombiana. O pai e os avós maternos vão disputar a guarda das crianças. Dessa vez, o futuro dos pequenos não dependerá de resiliência, força, sabedoria, fé, superação e coragem.
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