Com uma série de apresentações para outubro e novembro em seis capitais brasileiras, o roqueiro Roger Waters, ex-integrante do Pink Floyd, está envolto em uma polêmica que diz muito sobre o estado de polarização política em que o mundo em geral - e o Brasil, em particular - vive atualmente.
É que na turnê This is Not a Drill (Isto não é um exercício, em tradução livre), Waters se veste, em determinado momento, com um traje similar ao uniformes da Waffen-SS, braço armado da Schutzstaffel, a famigerada SS, organização paramilitar de apoio ao regime nazista de Adolf Hitler.
Este tipo de artifício cênico é parte das performances de Waters desde a época do disco "The Wall", uma intrincada ópera-rock de 1979 - ou seja, poderia causar todo tipo de reação, menos espanto, de tão batida. Mas a indumentária acabou virando objeto de investigação, após um show do músico de 79 anos em Berlim, no fim de maio. Na Alemanha, é crime usar, divulgar ou fazer apologia a todo tipo de simbologia nazista, exceto com propósitos educacionais ou alguns contextos artísticos. Mesmo com essa ressalva, as autoridades decidiram avançar com o caso, que ainda está sendo analisado e será encaminhado para a promotoria de Berlim.
Mas Waters é um notório crítico do autoritarismo. Em 1944, quando tinha apenas cinco meses de vida, ele perdeu o pai, Eric Fletcher Waters, morto em batalha no ápice da Segunda Guerra. A performance como um ditador lunático é, nas palavras do próprio, "obviamente uma manifestação contrária ao fascismo, à injustiça e ao fanatismo". Ele também afirmou que essas "tentativas de retratar esses elementos como outra coisa são falsas e têm motivação política".
Explica-se: Waters é um apoiador da causa palestina, e vive às turras com o Estado de Israel desde 2006, quando visitou a barreira que separa os dois países e cancelou um show que faria em Tel Aviv, transferindo a apresentação para Neve Shalom, uma vila cooperativista fundada por judeus e palestinos. O posicionamento do músico explica por que alguns o acusam de antissemitismo e, por associação, ao nazismo.
Foi justamente esta a justificativa de um advogado de entidades ligadas a Israel, que teria pedido ao governo federal, com base na apresentação de Berlim, que a entrada de Waters no Brasil fosse barrada. Ele também teria pedido que os shows, caso ocorressem, fossem censurados pela Polícia Federal. Amplamente divulgada pela imprensa, a notícia causou reações contra e a favor do artista nas redes sociais, deixando bem claro que a divisão política do país segue longe de ser pacificada.
No último sábado (10/6), o ministro da Justiça, Flávio Dino, tratou de baixar a fervura: negou que tivesse recebido a petição e lembrou que não existe mais a censura prévia no Brasil. Dino ainda fez a ressalva de que no Brasil, assim como na Alemanha, a apologia ao nazismo é crime, e disse que se receber o pedido, vai analisar com "calma e prudência".
É mesmo o mais recomendado, principalmente para evitar que, na ânsia de se combater um inimigo fictício - o nazismo inexistente de Roger Waters -, o Brasil acabe acordando o inimigo muito real da censura prévia.
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