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maio roxo

Artigo: Doenças inflamatórias intestinais, ameaça crescente e ignorada

"O diagnóstico precoce é um dos principais desafios no caso das DIIs. Isso ocorre porque, até recentemente, acreditava-se que essas doenças eram raras"

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maio roxo -  (crédito: Freepik/InaPlavans)
OLYMPUS DIGITAL CAMERA maio roxo - (crédito: Freepik/InaPlavans)
Luiz Felipe de Campos-Lobato
postado em 07/06/2023 06:00

No último mês de maio, os brasileiros foram surpreendidos ao se depararem com as ruas e praças iluminadas em tons de roxo. Tratava-se das atividades do Maio Roxo, movimento mundial de conscientização sobre as doenças inflamatórias intestinais (DIIs). Mas, afinal, o que são as DIIs? Essas doenças englobam uma série de condições, sendo as principais a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn. Elas afetam o sistema digestivo, desencadeando inflamações e cicatrizações sucessivas, o que resulta em disfunções e deformidades no intestino. Além disso, aumentam consideravelmente o risco de desenvolvimento de câncer no intestino.

Até recentemente, os dados sobre a prevalência das DIIs no Brasil eram escassos, e essas doenças eram consideradas raras, ou seja, com uma incidência menor que 65 casos a cada 100 mil habitantes. No entanto, um estudo multicêntrico realizado por nossa equipe, em parceria com a UFMG, UFJR, ID'Or - Rede D'Or, Universidade de Nova York e Cleveland Clinic-OH, revelou que, entre os anos de 2008 e 2017, a prevalência das DIIs saltou de 19 casos para 80 casos a cada 100 mil habitantes. O Distrito Federal foi uma das unidades federativas com maior incidência, registrando 93 casos a cada 100 mil habitantes.

Mas quais são as causas das DIIs e o que explica esse aumento no Brasil? As DIIs são doenças multifatoriais, ou seja, diversos fatores contribuem para o seu desenvolvimento. Os fatores genéticos desempenham papel importante, uma vez que é comum encontrar casos repetidos dentro da mesma família. Questões relacionadas ao sistema imunológico também estão envolvidas na origem das DIIs, já que a inflamação intestinal é desencadeada por processos controlados pelo nosso sistema de defesa.

Curiosamente, várias teorias recentes apontam que fatores externos estão intimamente relacionados ao desenvolvimento das DIIs, e esses são fatores em que podemos intervir. Todos eles estão de alguma forma ligados à diversidade de nossa microbiota intestinal, muitas vezes desde a sua formação. Afinal, a amamentação por um período mais curto e o uso indiscriminado de antibióticos na primeira infância são fatores de risco importantes para o surgimento das DIIs.

Nossa pesquisa também revelou que as DIIs eram mais comuns em regiões do Brasil com altas taxas de desmatamento, o que contribuiria para a redução da biodiversidade local e consequentemente, para uma microbiota intestinal mais pobre. O consumo excessivo de alimentos processados também está relacionado ao surgimento das DIIs, como evidenciado pela baixa incidência dessas doenças em populações em que os hábitos alimentares mais se aproximam do natural, como entre os povos indígenas.

O diagnóstico precoce é um dos principais desafios no caso das DIIs. Isso ocorre porque, até recentemente, acreditava-se que essas doenças eram raras, havendo pouca divulgação a respeito delas, inclusive no meio médico. Além disso, os sintomas iniciais das DIIs são semelhantes aos de várias outras condições mais comuns, como infecções intestinais. No início da doença, os pacientes geralmente apresentam episódios de diarreia, sensação de inchaço abdominal, ruídos intestinais e até perda de peso. Como os sintomas ocorrem em ciclos, é comum que as pessoas demorem a dar a devida atenção ao problema.

Geralmente, isso só acontece quando a qualidade de vida é afetada de maneira mais importante ou quando surgem sintomas mais graves, como sangramento nas fezes, dores na região anal ou abdominais intensas. Para confirmar o diagnóstico de uma DII, é necessário realizar exames endoscópicos, de imagem, de sangue e, sem dúvida, consultar um médico que esteja atento a essa possibilidade diagnóstica.

Assim como várias outras doenças, como hipertensão e diabetes, as DIIs não têm cura, mas podem ser tratadas. As formas de tratamento variam de acordo com o estágio da doença. Quando a inflamação é o componente predominante, são utilizados medicamentos. Já quando os episódios de inflamação seguidos de cicatrização deformam o intestino, procedimentos cirúrgicos se tornam necessários. Apesar de serem doenças incuráveis, quando o diagnóstico é precoce e o tratamento adequado, é possível conviver com as DIIs mantendo uma qualidade de vida próxima do normal.

A boa notícia é que o sistema de saúde brasileiro é um dos poucos do mundo que apresenta cobertura de tratamento para as DIIs, seja por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), seja por planos de saúde. O que é de suma importância, afinal é tratamento caro e crônico, muitas vezes ultrapassando centenas de milhares de reais anuais apenas com medicações.

O aumento cada vez mais frequente das DIIs nos faz um chamado importante: precisamos estar mais atentos aos nossos hábitos de vida, alimentação e aos sinais que nosso corpo nos envia diariamente. Somente assim poderemos reduzir sua incidência e realizar diagnósticos mais precoces, aliviando o sofrimento causado por essas doenças.

*LUIZ FELIPE DE CAMPOS-LOBATO, cirurgião coloproctologista, é coordenador do Internato de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)

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