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Mercado Financeiro

Artigo: A briga com o dólar

" solução de contornar o dólar parece óbvia, mas a imposição resulta dos acordos realizados pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial"

PRI-0506-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0506-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 05/06/2023 06:00

Por volta do meio-dia de sábado, 3 de fevereiro de 1945, soldados soviéticos estavam formados ao longo da pista do aeroporto de Saki, na costa ocidental da península da Crimeia. Um avião Douglas C-54 Skymaster fez a aproximação para pouso voando baixo sobre o Mar Negro. Vinte minutos depois, outro Skymaster aterrissou. Dele apareceu a figura baixa e corpulenta, de quepe militar e sobretudo, com um charuto preso nos dentes: Winston Churchill. Do primeiro avião desceu, num elevador improvisado, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt na sua cadeira de rodas protegido por grosso casaco de lã e cercado por assessores. Estava muito frio.

Os dois foram conduzidos a seus palácios, a mais de 100 quilômetros de distância, junto com grande assessoria. A noite se juntaram a Joseph Stalin, que veio de Moscou em trem especial, no jantar de recepção. O líder soviético viajou por 1.600 quilômetros para encontrar os dois líderes. A reunião dos três grandes ocorreu sob sigilo absoluto e condições excepcionais de segurança. Eles discutiram muito, comeram bem, caviar beluga à vontade, e beberam tudo o que havia nas adegas. Suas decisões definiram as áreas de influência nas décadas seguintes e até muito tempo depois de os três estarem mortos. A Conferência de Yalta criou o mundo político atual.

Antes, em julho de 1944, já com a perspectiva de vitória dos aliados, um encontro de representantes de 45 países definiu as novas regras da economia internacional. A reunião foi realizada em Bretton Woods, no estado de New Hampshire, Estados Unidos, no hotel Mount Washington. O representante brasileiro foi o economista Roberto Campos. Entre as principais definições do acordo de Bretton Woods, estão a de que o dólar norte-americano seria a moeda padrão das transações internacionais e a criação do Banco Mundial, do Fundo monetário Internacional e do Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).

O novo sistema financeiro beneficiou os Estados Unidos, que foi um dos vencedores da Segunda Guerra Mundial. O país, aliás, naquele momento emergiu como superpotência. A União Soviética estendeu sua área de proteção aos países do Leste Europeu. E Washington garantiu sua hegemonia sobre a Europa Ocidental, as Américas Central e do Sul e boa parte da Ásia, através do Japão e das Filipinas. De Gaulle, o líder francês detestado pelos três, não foi convidado para Yalta. Mas a França recebeu, por interferência de Churchill, a administração de uma área da Berlim ocupada.

A história é essa. Os vencedores ficam com o butim e as vantagens posteriores da vitória. A Alemanha foi desmontada. Suas fábricas foram transferidas para o leste. Seus principais cientistas foram absorvidos pelas duas potências. O programa espacial norte- americano foi conduzido pelo alemão que criou a poderosa V-2, arma que arrasou Londres: Werner von Braun. O programa soviético também se beneficiou dos conhecimentos alemães. O mesmo ocorreu com o programa nuclear dos dois grandes. As duas superpotências, mais França, Inglaterra e China, fazem parte do Conselho de Segurança da ONU com poder de veto. São eles, os cinco, que fizeram as principais guerras nos últimos 40 anos.

O presidente Lula fala no Brasil e fora do país que o comércio entre países deve ser realizado em outra moeda, contornando a obrigação de negociar em dólar. Os países sul-americanos vivem a permanente escassez dessa moeda. Alguns, como o Panamá, adotaram a moeda norte-americana. A crise é permanente, apenas pula de país em país. A solução de contornar o dólar parece óbvia, mas a imposição resulta dos acordos realizados pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial. Aparentemente, para modificar esse cenário, será necessário negociar em posição de força, o que o Brasil não tem.

Falar sobre isso não muda nada, apenas irrita um pouco os norte-americanos que não se preocupam muito com o assunto na América do Sul. Quando a conversa é com chineses, a ameaça se torna mais séria. Além de ter fabulosa reserva em dólares, algo ao redor de US$ 3,2 trilhões, Pequim tem fantástico poder comercial que se espalha pelo mundo. Há possibilidades de o yuan — a moeda chinesa — se insinuar como moeda internacional.

Mas isso não será resolvido com discurso e tapinha nas costas. O dólar alcançou essa posição depois de uma guerra que produziu mais de 50 milhões de mortos. O doutor Henry Kissinger, que completou neste mês 100 anos, lúcido, diz que o futuro da humanidade depende do entendimento dos Estados Unidos com a China. Lula precisa conversar mais com Celso Amorim.

*André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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