Quando os historiadores do futuro se debruçarem sobre a internet, certamente vão estranhar a presença de Montana, nos Estados Unidos, como palco de um ponto crucial nesse tema. Afinal, o estado é pouquíssimo tecnológico, um dos mais rurais e um dos menos habitados dos EUA, com cerca de 1 milhão de habitantes e mais gado do que gente. Mas é em Montana que está sendo travada uma batalha que pode determinar a liberdade da internet.
Contextualizando: Montana é o primeiro estado norte-americano a banir totalmente o aplicativo TikTok, da desenvolvedora chinesa ByteDance. Acusa a plataforma de coletar informações dos usuários sem consentimento e compartilhá-las com o governo chinês. A decisão foi parar na Justiça, que ainda analisa o caso.
Essa não é a primeira ação ocidental contra o TikTok. Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia já proibiram o uso do aplicativo em dispositivos de funcionários governamentais. Mas é a primeira em que o aplicativo é banido totalmente para o usuário comum. Embora as preocupações em relação à segurança nacional sejam compreensíveis, ainda não existem evidências sólidas contra o TikTok. A rede social é alvo de mais um caso de imposição de limites no universo digital.
Na China, terra natal do TikTok, o controle já existe há muito tempo. Desde o fim dos anos 1990, a Grande Firewall — referência à Grande Muralha — impede o acesso de boa parte dos sites e serviços ocidentais, como Google, Facebook, Twitter e Wikipédia, além de veículos da imprensa. Outros países com governos autoritários como Turquia, Síria, Irã, Paquistão e Índia também costumam restringir o acesso de seus cidadãos à internet em momentos de instabilidade. Não era o caso dos países ocidentais, que se orgulhavam de manter a internet livre e praticamente sem regulamentação. Agora, esse momento passou.
Há razões, entretanto, para justificar um maior controle em regimes democráticos. O uso indiscriminado dos dados de usuários, a pandemia de fake news e a disseminação do discurso do ódio são alguns problemas que ganharam relevo no atual contexto das redes sociais. O Brasil e os Estados Unidos, para citar apenas esses dois países, enfrentaram tragédias como o negacionismo da covid-19, movimentos golpistas e atentados em escolas em razão da ausência de qualquer controle mais rígido sobre as atividades das big techs.
Não à toa, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal têm se dedicado a estabelecer um ordenamento que previna o mundo digital de se tornar uma terra sem lei — e nem sempre contam com a colaboração das gigantes da tecnologia nesse sentido. As reflexões presentes nessas iniciativas partem de um princípio jurídico consagrado: a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Há responsabilidade naquilo que se afirma ou se divulga. É nesse contexto que aumenta a mobilização para enquadrar as redes sociais.
Qualquer que seja a decisão da Justiça norte-americana, pode-se inferir que o ideal da internet livre, sem qualquer controle, está sob escrutínio. O que vai emergir disso ainda é uma incógnita. Espera-se que a rede mundial se mantenha como um avanço tecnológico. E que seja mais segura e menos nociva à sociedade, sem perder a característica democrática.
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