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Câmara dos Deputados

Artigo: Vergonha e retrocesso

PEC da Anistia livra de sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de dinheiro, os partidos que não destinaram recursos mínimos em razão de sexo e raça a candidaturas nas eleições de 2022

PRI-0306-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0306-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
Maria Isabel Sales
postado em 03/06/2023 06:00 / atualizado em 03/06/2023 09:57

A Câmara dos Deputados aprovou na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) a PEC nº 9, de 2023, a chamada PEC da Anistia, da qual o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) é o primeiro signatário. A proposta garante que não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça nas eleições de 2022 e anteriores.

Além disso, o projeto permite a arrecadação de recursos de pessoas jurídicas por partido político, em qualquer instância, para quitar dívidas com fornecedores contraídas ou assumidas até agosto de 2015. A proposição vai de encontro às demandas dos movimentos sociais, em especial dos movimentos negros do Brasil e de mulheres, que tanto lutaram e lutam por políticas de igualdade nos espaços de poder, sobretudo na política, que é um dos espaços em que a ausência de pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, indígenas, LGBTQIA e outros grupos é bem gritante.

A ratificação da proposição pelos parlamentares (homens e poucas mulheres) membros da CCJ apenas reforça a realidade de representatividade no Congresso Nacional que, na sua maioria, é composta por homens, brancos, ricos e heteronormativos.

O Observatório Equidade no Legislativo, criado pelo Grupo de Trabalho de Afinidade de Raça, vinculado ao Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Senado Federal, informa que, quando se analisa o Poder Legislativo nacional, a exemplo da 56ª legislatura (2019-2023), a Câmara era composta por 436 homens e 77 mulheres.

Eram "27 deputadas a mais do que na legislatura anterior, o que representa um avanço tímido (aumento da representação feminina de 10% para 15%), em que as mulheres representam a maioria da população brasileira, representando 51,5% do total, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ", informa o grupo de trabalho.

Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu pela distribuição proporcional dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fefc) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidaturas negras. A decisão do tribunal ocorreu devido à provocação de entidades dos movimentos negros, como ONG Educafro, que, por meio da consulta pública apresentada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), senador Paulo Paim (PT-RS) e outros, acionaram o TSE para se manifestar diante do tema. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou a decisão.

A anuência da temática pelos tribunais foi uma vitória para o país, e o Congresso Nacional não pode regredir. No último 16 de maio, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL- SP) impetrou um mandado de segurança no STF solicitando a suspensão da tramitação da PEC e, como de praxe, o ministro Luís Roberto Barroso solicita que a Câmara se manifeste.

Na mesma data, dirigentes negros de partidos políticos, como PSol, PT, PCdoB, PDT, MDB, PV, PSDB, PSB, Cidadania e PROS apresentaram nota de repúdio à PEC 9, na qual reforçam o compromisso na luta contra a reprodução do racismo no sistema político e em toda sociedade.

O povo brasileiro, já fadigado, não precisa de mais retrocessos, precisa é de avanços em seus direitos individuais e coletivos. Em 2022, celebramos o bicentenário da independência, mas que independência é essa, na qual as maiorias minorizadas ainda são subordinadas pela dominação e impostas à condição de dependência? O povo brasileiro jamais deixará de gritar por seus direitos.

Em tempo, a PEC 9, aprovada pela CCJ, será analisada por uma comissão especial da Câmara, que poderá ou não alterar a proposta original. Depois, a proposição será analisada pelo plenário da Câmara. A aprovação dependerá dos votos favoráveis de 3/5 dos deputados, ou seja, 308, em dois turnos de votação. Caso a proposição seja aprovada, seguirá para o Senado Federal. Que esse retrocesso não aconteça. Axé e muito amor.

* Maria Isabel Sales, especialista em direito legislativo, jornalista e assessora legislativa e racial no Senado Federal

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