Os compromissos com o meio ambiente e com os povos originários e tradicionais estão sendo desidratados pela oposição e até por aliados ao terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em uma semana, o Executivo levou dois golpes, potencialmente letais às políticas ambiental e indigenista, com alteração da Medida Provisória nº 1154/23, que reorganizou a estrutura dos ministérios, contida no relatório do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). Foram retiradas funções dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Saíram da pasta da ministra Marina Silva o Cadastro Rural e a Agência Nacional de Águas, além dos sistemas nacionais de Informação em Saneamento Básico (Sinisa), de Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e o de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). A ministra Sonia Guajajara perdeu, para o Ministério da Justiça, a prerrogativa de demarcar os territórios indígenas.
Na quarta-feira, o plenário da Câmara aprovou, por 324 contra 131, o requerimento de urgência para votar o marco temporal, que garante a demarcação de terras indígenas ocupadas até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Um outro revés que compromete a vida dos povos originários, não só pelo objetivo de reduzir os territórios, como também de abrir brechas à exploração mineral e à expansão das fronteiras agrícolas sobre as terras indígenas, um dos objetivos da Frente Parlamentar Ruralista.
O Supremo Tribunal Federal retomará, em 7 de junho, o julgamento do marco temporal, conforme anunciou a ministra Rosa Weber, presidente da Corte, no início de abril. Na Câmara, o Projeto de Lei 490/2007, que trata do tema, deverá ser votado na próxima semana. A tendência é de que seja aprovado antes do julgamento da Alta Corte. Para a ministra Sônia Guajajara, o projeto de lei é "um estupro" dos povos indígenas.
Os defensores do marco temporal garantem que a medida colocará fim aos conflitos por terra. Hoje, 487 territórios indígenas estão demarcados e 725 processos em diferentes estágios de tramitação para a demarcação. No total, as terras dos povos originários ocupam menos de 14% do território nacional. A maioria está concentrada na Amazônia. Mas há conflitos em quase todas as regiões do país. Os embates pela territorialidade têm raízes no desinteresse das diferentes instâncias do poder público de cumprir o mandamento constitucional, que fixou em cinco anos o prazo para o Executivo demarcar as terras indígenas.
As sucessivas tentativas de eliminação dos povos indígenas não são recentes. Elas datam do período colonial e seguem vivas e atualizadas a cada período. No fim dos anos 1970, um coronel do Exército, em cargo de diretoria na então Fundação Nacional do Índio, chegou a propor critérios sanguíneos de indianidade, com o intuito de reduzir as populações indígenas, inspirado no movimento eugênico criado na Alemanha nazista, a partir da fantasiosa tese de "raça pura". À época, a proposta foi rechaçada por antropólogos, indigenistas e diretores do órgão e não prosperou.
Ganha contorno criminoso não reconhecer a conquista constitucional dos povos originários aos seus territórios. Os impactos desses atos contra os guardiões das florestas provocam danos incalculáveis à imagem do Brasil ante as nações mais desenvolvidas empenhadas em mitigar o aquecimento do planeta e defender os direitos dos indígenas. Os danos vão mais além, pois alcançam a produção agropecuária brasileira. Os fenômenos climáticos extremos que ocorrem com frequência são advertências de que é urgente uma mudança na relação com o meio ambiente e reconhecer, com seriedade e respeito, a diversidade étnica e racial que caracteriza o Brasil.
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