Tem razão o ex-procurador e agora deputado cassado pelo TSE Deltan Dallagnol (Podemos-PR) quando afirma que o que estamos assistindo com esse episódio é nitidamente "a transposição da força do direito, para o direito da força, para o arbítrio e para o uso da vontade pessoal". Não tem como não acreditar que estamos vivendo um período rico em material para análise histórica posterior, mas de grande aflição e incertezas para a nação, pois a justiça, no entendimento médio da população, passou a ser apenas aquilo que entende e sai da cabeça dos magistrados.
É a justiça subjetiva, apoiada por cacos do direito. O mais curioso nessa cassação relâmpago foi que o processo fez uma espécie de junção de todos os documentos onde aparece o nome do ex-procurador, para formular e dar maior volume a seu parecer. A começar por afirmar que "em decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Vide, exemplificativamente, o acórdão proferido no HC nº 164.493/PR julgado pela 2ª Turma do STF em 23/03/2021, que reconheceu a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro em razão, dentre outros motivos, de mensagens que indicavam 'cooperação espúria' do então chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol com Sérgio Fernando Moro na condução dos processos visando a construção de um 'projeto de poder'".
Falou ainda da rejeição de contas do procurador feita pelo TCU, sob a alegação de que o profissional teria realizado pagamentos irregulares de diárias e passagens e gratificações a membros do MPF durante a Operação Lava-Jato. Operação, aliás, que recuperou bilhões de reais aos cofres da União.
Mais um relato dizia ainda que o procurador teria cometido várias ilegalidades no âmbito da Lava-Jato. O mais surpreendente e que talvez possa provocar uma reviravolta nesse processo de cassação é que o relator chegou a inaugurar uma espécie de novíssimo direito, ou direito calcado no tempo verbal do futuro do pretérito, em que o réu passa a ser condenado a partir de pressuposições futuras, do tipo, "há de se cogitar a factível tese de que o Recorrido teria se exonerado ainda em novembro de 2021 porque tinha plena ciência do risco da punição disciplinar que poderia levá-lo à pena de demissão do Ministério Público Federal".
Como o futuro do pretérito expressa sempre uma incerteza, uma surpresa ou mesmo indignação de algo que poderia ter ocorrido, a emboscada nesse processo fica por conta dessa cassação, que sem dúvida alguma, entrará para a história do judiciário como uma peça infame a provar que os tempos trevosos podem retornar ajudados sempre pelo silêncio da maioria.