Opinião

Visto, lido e ouvido: Canção de ninar

Todo o plano e as metas do atual governo se resumem na busca por brechas que facilitem ações populistas imediatas, de modo a reverter os baixíssimos índices de aprovação de sua gestão

Das muitas questões a serem resolvidas pela equipe do atual governo, a mais urgente e que tem tirado o sono de seus auxiliares parece ser a que permitirá ao mandatário gastar o máximo possível dos recursos públicos, a fim de garantir que as velhas políticas assistencialistas mantenham sua base fiel de apoiadores, mesmo que isto leve, a médio prazo, ao retorno de uma recessão econômica.

Todo o plano e as metas do atual governo se resumem na busca por brechas que facilitem ações populistas imediatas, de modo a reverter os baixíssimos índices de aprovação de sua gestão. Não há plano de governo para o desenvolvimento do país. O plano é "ele". Dito desta forma seca e sem "arrodeios", o que se busca tornar oficial e com chancela do Congresso é a ordem para gastar. A chancela do Congresso é importante nessa estratégia porque dilui a responsabilidade pela má gestão dos cofres públicos, entre Executivo e Legislativo, retirando da figura do mandatário maiores ônus.

Em caso de sucesso desta fórmula, o que parece quase impossível, os louros são apenas "dele". Em caso de fracasso, a responsabilidade por engenhosidades fiscais será de todos. É o tal do risco zero. Caso toda a manobra desabe, recorre-se à troca da equipe ministerial, dentro da tradicional mudança ministerial e tudo seguirá sua marcha. É um déjà-vu tremendo, mas que por conta da pouca ou nenhuma memória das elites no poder, será realizado mais uma vez. Alertar para os riscos dessas medidas já testadas e ruinosas de nada adianta. Trata-se de um script que não permite alternativas racionais. É esse o modus operandi e, quem não aderir, tem de pegar o boné e partir.

Para os brasilienses, esse conjunto de ações, descritas no tal arcabouço fiscal, poderá ser prejudicial, pois irá retirar recursos preciosos do Fundo Constitucional do Distrito Federal, prejudicando os setores da educação, saúde e segurança. Na realidade, todas as áreas dentro do imenso organograma do país, que dependem dos recursos do Tesouro, terão que dar sua contribuição para ajudar o governo a gastar politicamente. Cortes terão que ser realizados. Impostos, taxas e outras contribuições serão elevadas.

A transferência de recursos de umas áreas para outras se fará de modo automático e sem contestações. Com esse aspirador gigante, o governo irá sugar recursos onde quer que eles estejam. A questão toda se resume em encontrar, dentro da matemática e dos números da economia, os meneios que possibilitem demonstrar, racionalmente, como toda essa mágica será realizada.

Alheio a essas questões e de olho em seus próprios interesses internos, o Congresso aprova a urgência da matéria sem submetê-la ao escrutínio das comissões e sem a peneira das discussões públicas. Tudo feito a toque de caixa. Vai que alguém descobre inconsistências sérias no arcabouço e todo o conjunto desabe?

Numa análise mais tranquila, nada disso requer medida de urgência. Urgência é a apresentação de um conjunto de medidas, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, e que foi esfrangalhada para atender imediatismos injustificáveis. Urgente é o estabelecimento de programas e leis econômicas que sirvam não apenas a esse ou àquele governo, mas que valha para o futuro da nação. O resto é canção de ninar para a boiada dormir.

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