Mercado de trabalho

Artigo: Máquinas não roubarão empregos, a nostalgia sim

Muitos trabalhadores, empregados ou não, passaram a duvidar do futuro. Outros vão além: se desinteressam pelo presente e, desanimados com as máquinas inteligentes que rompem o mercado de trabalho

Guilherme S. Hummel - Engenheiro em saúde digital, coordenador científico da 28 Hospitalar e da Hospitalar Hub e Head Mentor do EMI (eHealth Mentor Institute)

Muitos trabalhadores, empregados ou não, passaram a duvidar do futuro. Outros vão além: se desinteressam pelo presente e, desanimados com as máquinas inteligentes que rompem o mercado de trabalho, estimulam uma vida hedonista, cujo prazer circunstancial procrastina enfrentar os desafios. Mas o pior são os nostálgicos, eles não tiram os olhos e a mente do passado e anseiam pelos tempos pretéritos no qual tudo era mais estável, previsível e menos desafiador. Aliás, o termo nostalgia vem do grego nostos, que significa retorno, e algos, que significa sofrimento. A palavra originalmente foi usada para descrever um anseio intenso por retornar ao lar, a um lugar seguro, confiável e confortável em todos os sentidos.

A nostalgia não é necessariamente boa ou ruim, é inútil. Ela está consumindo a mente de milhões de trabalhadores que nos últimos meses passaram a ficar inseguros com a empregabilidade. Existirá um complô metafísico para as máquinas destruírem minha proficiência funcional? Todos os anos estudando e trabalhando teriam sido inúteis quando qualquer humanoide sequestra meu trabalho? A nostalgia amplia a nossa insatisfação com o presente, flerta com a estagnação e gera melancolia. Uma cadeia inútil.

O relatório Future of Jobs 2023, publicado pelo World Economic Forum (WEF), mostra as tendências do trabalho entre 2023 e 2027. Foram ouvidos 11,3 milhões de trabalhadores, de 803 empresas de todo o mundo, reunindo 27 clusters industriais. Segundo o relatório, o impacto da maioria das tecnologias nos empregos será positivo nos próximos cinco anos. Ainda assim, os maiores efeitos da criação e destruição de vagas virá das tendências ambientais, tecnológicas e econômicas. O documento explica, criteriosamente, que 86% das empresas esperam que até 2027 as plataformas digitais e aplicativos resultem em processos disruptivos no trabalho, reorientando e deslocando os empregos para outras funcionalidades e criando mais trabalho nos próximos 5 anos.

Essa rotatividade estrutural no trabalho atingirá por volta de 23% dos empregos até 2027. A conta da WEF é simples: dos 673 milhões de empregos refletidos nos dados do relatório, os entrevistados esperam um crescimento estrutural de 69 milhões de empregos e um declínio de 83 milhões, correspondendo a uma redução líquida de 14 milhões de postos de trabalho, ou 2% dos empregos atuais. Ocorre, assim, uma assimetria entre a criação e a redução de empregos nos próximos anos, mas 2% não é uma aporia (impossibilidade objetiva de obter uma conclusão sobre qualquer tema), pelo contrário, as possibilidades de melhores condições empregatícias tendem a evoluir em produtividade, praticidade e criatividade.

Ainda segundo o Future of Jobs 2023, as organizações estimam que hoje 34% de todas as tarefas relacionadas aos negócios são executadas por máquinas, sendo que os 66% restantes são executadas por humanos. Isso representa um aumento insignificante de 1% no nível de automação estimado pela edição da mesma pesquisa realizada em 2020. Esse ritmo de automação contradiz as expectativas de 2020, quando quase metade (47%) das tarefas de negócios seriam automatizadas nos cinco anos seguintes. Como explicou o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855): "A vida pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente". Assim, não cabe nesse cenário qualquer deslumbre nostálgico. Cabe sim a esplendorosa e excitante experiência do estudo, da educação e da capacitação contínua. O que mais queremos da vida se não o desejo de estarmos "condenados" a uma ininterrupta escala de aptidão e vocação para se adequar as inovações?

Ao invés da nostalgia de tempos irrepetíveis, empregados devem se concentrar em suas habilidades atuais, identificando as áreas de aprimoramento. Autoavaliação para descobrir quais pontos são mais suscetíveis à automação ou a transformação digital. Desenvolver o pensamento crítico e as habilidades interpessoais devem ser prioridade. É preciso engajamento nos skills digitais que suportem a dianteira, deslizando o pensamento para futuros possíveis, plausíveis e preferíveis. Se esconder da realidade não é a saída. Perde-se muito tempo e atrasa o maravilhoso encontro com a possibilidade.

 


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