Na última terça-feira, em uma sessão constrangedora, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou, por 45 votos a 10, proposta de emenda constitucional que anistia os partidos políticos de irregularidades previstas na legislação eleitoral. O perdão se estende a falhas na prestação de contas e ao descumprimento das cotas estabelecidas para candidatos negros e mulheres, parcelas historicamente excluídas do processo político.
Um dos argumentos mais utilizados pelos defensores da chamada PEC da Anistia é de que a proposta corrigiria uma norma unilateral, decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral, de estabelecer cotas para as eleições de 2022. As legendas, argumentam suas excelências, não teriam tido tempo hábil para se adequar às exigências da Justiça Eleitoral. Alegam, ainda, que as multas previstas pelo TSE para o cometimento de irregularidades seriam muito altas, portanto impagáveis.
Em resumo, os parlamentares defendem o seguinte. Se a regra é difícil de ser cumprida, mude-se a regra. Trata-se de uma argumentação extremamente frágil, dados o histórico e a quantidade de falhas identificadas pela Justiça Eleitoral. Em relação a 2017, por exemplo, o Tribunal Superior Eleitoral reprovou as contas de 19 legendas, e aprovou outras 17 com ressalvas. Esse é apenas um dos indicadores de como é preciso enquadrar as representações políticas a um princípio elementar: seguir a regra do jogo.
O argumento de que as legendas tiveram pouco tempo para se adaptar às exigências de cotas para mulheres é risível. Ainda em 2018, o país assistiu às manobras de partidos com candidatas "laranjas" para cumprir a cota de mulheres e ter direito ao Fundo Eleitoral. Em agosto de 2022, na primeira sessão como presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes foi claro e direto: "A Justiça Eleitoral não irá permitir candidaturas laranjas simplesmente para fingir que as mulheres estão sendo candidatas. Candidaturas laranjas serão declaradas irregulares, nulas, com a nulidade da chapa inteira". Menos de um ano depois, arma-se uma articulação para transformar a palavra da Justiça Eleitoral em letra morta.
É legítimo buscar o aprimoramento do processo eleitoral. Trata-se de um esforço coletivo, a ser desempenhado por todos os setores da sociedade. A Justiça Eleitoral demonstrou, diversas vezes, que se dedica com afinco para tornar as eleições um processo que valorize e fortaleça a democracia. A questão é que a PEC da Anistia, ao perdoar os malfeitos perpetrados durante a corrida nas urnas, contribui para manter os problemas inerentes ao sistema político brasileiro. Convém citar apenas dois.
O primeiro refere-se ao Fundo Eleitoral. Trata-se de uma fábula de R$ 4,9 bilhões, a maior já acumulada na história do país. Portanto, se uma legenda descumpriu a norma, fez mau uso do dinheiro do eleitor. Não há como passar uma borracha sobre isso. Outro ponto atropelado pela a PEC da Anistia: a subrepresentação de mulheres e negros no Poder Legislativo. É obrigação do poder público e dos atores políticos combaterem essa desigualdade, prova eloquente da fragilidade do regime democrático brasileiro.
Ninguém é obrigado a se candidatar. Pode-se criticar a legislação vigente, mas mudar a regra depois do jogo jogado configura desonestidade. Tolerar de bom grado a articulação dos partidos, tanto de oposição quanto governistas, pela anistia geral, é desrespeitar o eleitor. Em outro contexto, os políticos no Brasil querem impor o seguinte: o eleitor paga por um carro, mas recebe um modelo de três rodas. E o fabricante pede para perdoá-lo pela falha, porque está difícil produzir um veículo convencional. Quem aceitaria isso no mundo real?
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